Capítulo 29 - Um novo olhar

1.9K 194 3
                                    

Uma semana se passou. Não tive mais notícias de Antonia. Diana me revelou só o necessário. Ela voltou à sua rotina normal e eu voltaria também em um ou dois dias. O restaurante ficou sob o comando de um chef substituto, mas eu precisava voltar. Não por achar que era indispensável ao andamento da cozinha, mas porque eu precisava mesmo voltar a uma rotina que sempre foi minha alegria.
Diana tinha mexido muito comigo desde o primeiro dia em que a vi. Antonia também foi muito importante, mas a consciência de tudo que ela planejou contra mim fez com que eu sentisse receio até mesmo de gostar das boas lembranças.
Diana simplesmente não me falou mais nada sobre como tinha conseguido Toni de volta. Apenas frisou que Antonia estava mal e nem falou com ela. Eu suspeitava que não podia ser apenas isso, mas não tinha forças emocionais para tentar buscar mais informação.
Durante minha semana de recuperação, Diana me tratava com muito carinho, mas nunca com condescendência. Eu já disse que isso era o mais apaixonante.
Ela não me tratava como um bebê. Me ajudava no que era necessário, se certificava de que eu estava bem e ia para o trabalho com tranquilidade. Foi uma forma de eu me recuperar mais rápido também: a superproteção nunca me ajudou muito na vida.
No fim de tarde de um domingo nos sentamos na varanda para conversar. Eu não conhecia o pôr do sol visualmente, é claro, mas sempre gostei da brisa do entardecer e do calor sempre tão preciso que o sol tinha naquele horário. Era uma temperatura que me fazia sentir vivo.
Conversamos e rimos muito juntos. O ambiente era perfeito.
Houve um longo período de silêncio em que eu senti o vento calmo em meu rosto, permeado por pequenas ondas de calor perfeitas e, por fim, senti os lábios doces e ternos de Diana me beijarem com amor. Percebi que ela se ajoelhou à minha frente antes de estender a mão sobre a minha face. Com a firmeza de sempre, começou a falar:
- Eu sei que você já está bem melhor, então é hora de falar sobre outro assunto.
Diana respirou fundo e continuou:
- Aquele dia no hospital, quando o traumatologista entrou, por que o pânico? Foi só o trauma do dia anterior mesmo?
Engoli em seco. Gaguejando, respondi que sim. Ela percebeu na hora que não era verdade.
- Você não sabe mentir, Érico. Não sabe mesmo.
- Eu não quero falar sobre isso. – respondi.
- Mas eu quero. – ela retrucou. – Olha, Érico, se for alguma coisa como uma cisma natural, eu juro que não pergunto mais. Mas eu sinto no coração que tem algo que você esconde e que tem relação com isso.
Diana parecia me desvendar com toda a facilidade do mundo. Lembrei de quando Antônia perguntou coisas parecidas sobre minha cegueira e eu imediatamente a cortei. Pensei em fazer o mesmo outra vez.
- Não é nada, Diana, é só uma coisa de quando eu era criança. Bobagem de criança.
Com uma estratégia bem melhor que a minha, Diana me beijou a boca e disse:
- Tudo bem. Sem problemas. Caso tenha mais alguma coisa que você queira me dizer, tente lembrar que eu te amo e que – ao mesmo tempo – sou enfermeira. Isso significa que você pode confiar em mim pra contar o que te incomoda e eu vou tentar te explicar da melhor maneira possível dentro do que estou estudando. Eu vivo dentro de um hospital, Érico. Posso tirar todas as suas dúvidas, tá bem?
Eu fiquei em silêncio. Ela se levantou e já ia entrando quando disse:
- Te pergunto isso porque te amo. Você sabe disso.
Não consegui mais segurar. Eu confiava em Diana. Eu precisava dividir isso com mais alguém.
- Espera. – respondi. – Eu não gosto de médicos porque eles disseram que vou ser cego pra sempre.
Não conseguia acreditar que tinha deixado aquilo sair em voz alta. Parecia uma sentença simples. Diana voltou e sentou ao meu lado.
- Estou ouvindo. Pode falar.
- Quando eu era criança, minha mãe me levou a um oftalmologista que não sei dizer quem era. Foram algumas consultas, umas cinco talvez. Sempre depois de me consultar, ele pedia que eu saísse para que pudesse conversar com minha mãe. Eu ficava ouvindo atrás da porta. Na última vez, ele expulsou minha mãe gritando: “ele vai ficar cego para o resto da vida. E a senhora não gaste mais meu tempo trazendo esse menino aqui!”. Era humilhante pra mim. Era humilhante pra ela. Eu não podia acreditar no que estava acontecendo e jurei que só apelaria a um médico quando realmente fosse muito necessário. Eu sei, pode parecer idiota. Mas foi assim que aconteceu. Eu não gosto de médicos porque não acredito neles.
- Espera. Quantos anos você tinha a última vez que foi a um oftalmologista? – interrompeu Diana.
- Não sei, uns seis ou sete talvez. – respondi.
Senti que ela respirou fundo antes de falar. Sabia que o assunto era muito delicado e percebeu o quanto ele me machucava. Era preciso tato para conduzir da forma certa.
- Érico, quer dizer que um único oftalmologista te examinou na vida? – perguntou ela.
- Minha família não tinha condições de pagar um profissional da capital. Fizemos o que foi possível.
Diana suspirou outra vez. Não soube bem como escolher as palavras, então optou pela tradicional franqueza:
- Érico, eu vou fazer uns contatos. Vou com você a um oftalmo da minha confiança essa semana. Pode ser assim?
Uma onda de medo me tomou. Me arrependi de ter contado a história. Tentei voltar atrás.
- Esquece, Diana. Tá tudo bem, estou acostumado. Não quero ouvir de novo que vou ficar cego pra sempre.
Ela me pegou pelas mãos e aproximou o perfume de flores das minhas narinas. Era terapêutico. Alguns segundos de silêncio e na sequência a voz melodiosa proferiu:
- Meu lindo... e se houvesse alguma chance de você enxergar?

Dias que eu não viOnde histórias criam vida. Descubra agora