Capítulo 9 - O beijo que ficou

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Antonia me beijou calorosamente e foi embora. Simples assim. Não disse mais nada. Foi o beijo e uma batida de porta. Passei a noite dormindo no sofá, com o rádio ligado, ouvindo qualquer coisa que fizesse barulho do lado de fora da minha mente. Minha cabeça parecia bateria de escola de samba. Milhares de ruídos estiveram comigo o tempo todo.

Eu ainda me sentia apaixonado por Diana. Mas não posso negar que senti alguma coisa com o beijo de Antonia. Ela tinha algo muito especial que parecia ter virado uma chave dentro de mim. A verdade é que a gente nunca mais percebe uma pessoa da mesma forma depois de beijá-la. É algo muito íntimo, muito próximo. Ainda que seja só um beijo, por alguns segundos, você sente alguém. E isso, ao menos pra mim, muda tudo.

Já era o terceiro dia de insônia e eu estava um trapo. Ainda assim, fui para a academia e depois para o trabalho, como todos os dias. Eu não queria admitir, mas essas tinham sido as últimas coisas que pude preservar do meu jeito metódico de ser.

Ao chegar no restaurante, deixei Toni preso nos fundos e fui direto aos vestiários. Dali, fui direto para a cozinha. Evitei encontrar Antonia. Eu pensava em Diana. Mas o beijo me incomodava profundamente. Eu não sabia se para o bem ou para o mal.

Quando começava a preparar meus materiais, senti uma mão terna em meu ombro. Na sequência, veio um suspiro.

- Me desculpa, Érico. Perdi a cabeça. Te falei coisas desnecessárias. Fiz coisas desnecessárias também. Enfim. Eu gosto muito de você. Te ver sofrer foi ruim e eu me irritei.

Hesitei por alguns instantes, e respondi:

- Perdi a cabeça também. Mas não estou mais ofendido, foi só na hora. Fica tranquila.

Eu realmente não sentia mais nenhum rancor. Mas o motivo não era, exatamente, uma profunda reflexão. O beijo tinha mexido comigo e permanecia em mim por mais que tentasse expulsá-lo.

Ela me beijou a bochecha, já que mais ninguém estava ali naquele momento, e voltou à recepção dizendo que se eu precisasse dela era só chamar.

Segui meu trabalho com toda a concentração que consegui, e a própria Antonia foi quem me tirou do transe laboral dizendo que um cliente queria conversar comigo. Eu era o chef, mas nas ausências do proprietário, qualquer assunto devia ser tratado comigo.

Antonia me alertou de forma sutil:

- Acho que você já o conhece. Vá com calma.

Ao me aproximar da mesa, ouvi uma saudação vinda de uma voz grave que, infelizmente, já era conhecida.

- Olá! É Érico, certo? Não sei se está lembrado, sou Fábio, noivo de Diana, a enfermeira que lhe ajudou outro dia.

Ele estava sendo educado, é verdade, mas na minha cabeça, cada letra pronunciada parecia uma provocação.

- Isso mesmo, sou eu. – respondi com o máximo da minha falsidade. – Posso te ajudar?

- Sim, - ele disse – Primeiro, preciso dizer que Diana e eu amamos a comida e o espaço, só falamos disso há dias.

Eu sorri um sorriso amarelo como forma de gratidão que se desfez na sequência:

- A gente gostaria de fazer a festa de casamento aqui. É possível?

Dias que eu não viOnde histórias criam vida. Descubra agora