Capítulo 42 - Verdades e conclusões

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Meu primeiro reflexo foi bater a porta na cara. Mas não consegui. A curiosidade por poder olhar como era aquela menina tão controversa foi mais forte que eu. Antonia era loira, magra e tinha a minha estatura. Era impressionantemente bonita. Não tanto quanto Diana. Mas era linda. E isso aumentava em mim a incredulidade por ela ter se transformado no que se transformou. Ela continuava chorando por perceber que eu olhava diretamente em seus olhos e, como uma espécie de vingança pelo mal que me causou aproveitando justamente meu único sentido inexistente, eu fiz questão de continuar ali parado, observando-a dentro dos olhos. Eu não podia afirmar com certeza, mas parecia que aquelas lágrimas e aquela expressão traziam uma pesada carga de arrependimento. Depois de alguns minutos daquela cena estranha, percebi que Toni continuava a ladrar muito. É claro que ele a reconhecia. Era testemunha de que ela trouxera alguém para me bater. Foi refém naquele dia. Meu amigo não tinha motivo algum para gostar dela.
Apesar de tudo, eu não conseguia sentir medo de Antonia. Ali, naqueles instantes em que entendi que era ela na porta de meu apartamento e que não conseguia parar de chorar, me lembrei de todas as situações em que ela atentou contra mim. Em todas elas, junto com ações irracionais, eu sentia algum arrependimento. Isso sempre me fez crer que ela estivesse fazendo isso movida só pela dor da rejeição.
Apesar de querer que ela sentisse que agora eu podia olhar em seus olhos de igual para igual, entendia que aquilo ali não podia continuar assim. Foi então que disse:
- Se você quer saber se estou bem, saiba que estou. Como pode ver, eu já encontrei seus olhos. Você não é bem-vinda aqui, Antonia. Eu cometi um erro com você. Te dei falsas esperanças. Mas você cometeu diversos erros comigo. E muito piores.
Eu já ia fechando a porta quando Antonia, secando as lágrimas e tirando o cabelo do rosto, me disse:
- Eu disse que ia embora para longe antes da sua cirurgia, Érico, mas não consegui. Eu precisava te contar algumas coisas antes de ir embora. Por favor... é a última vez – eu juro – que falo com você. Eu só preciso limpar a minha consciência pra recomeçar a minha vida.
Minha visão ainda não era tão apurada, mas eu conseguia reconhecer de longe uma voz sendo sincera. Aquilo me balançou. Confiei em minha intuição de que, dessa vez, Antonia dizia a verdade. Suspirei fundo, já sabendo que tudo aquilo poderia me causar problemas, mas eu queria ver Antonia falar sobre seus erros e justificá-los. Eu precisava perdoá-la ao menos dentro de mim para que a mágoa se fosse e meu coração ficasse limpo da raiva que eu nutria por ela. Queria que ficassem apenas lembranças boas.
Deixei que ela sentasse em uma cadeira da cozinha e fiquei de pé, de longe.
- Eu não tenho muito tempo, Antonia. Seja direta. – eu ia direto ao ponto para mostrar algum tipo de firmeza e de controle sobre a situação. Por dentro, estava angustiado. Queria que ela dissesse o que tinha para dizer e fosse embora. Assim que Diana chegasse em casa, eu contaria tudo para que ela soubesse o que aconteceu. Antonia começou a falar:
- Érico. Eu perdi o controle de mim. No dia em que você me ligou para dizer que estava com Diana, eu estava na Itália fazendo planos pra nós dois. No fundo do meu coração, eu sabia que você nunca seria meu... mas você era tão carinhoso que eu alimentei expectativas sozinha. No fim, isso fugiu do meu controle. Eu me arrependi de ter apoiado Fábio no instante em que pisei aqui. São imagens que eu nunca vou tirar da cabeça. Eu acho que você já tinha desmaiado quando eu gritei para que Fábio parasse. Ser parte de algo que machucou você fisicamente é algo pelo que eu nunca vou me perdoar. E essa carga eu carrego sozinha. Mesmo que você me perdoe, eu nunca vou esquecer que fui parte de algo tão horrível. Eu me deixei mover pelo rancor. – disse ela.
Eu permanecia impávido. Não disse sequer uma palavra. Antonia continuou.
- Apesar de tudo isso, acho que o que mais dói em mim é que, em dado momento, eu percebi que Diana era mesmo perfeita pra você. Eu percebi que havia um amor puro entre vocês. No dia em que ela veio buscar Toni em minha casa, eu estava muito bêbada. Bebi tudo e mais um pouco pra tentar esquecer o que tinha feito com você. Diana me disse meia dúzia de palavras e eu bati no rosto dela com toda a minha força. E você sabe o que ela fez? Nada. Eu a chamei de vagabunda, desejei que ela morresse, a acusei de tudo que você possa imaginar. Quando ela saiu com Toni, a persegui e a agredi novamente, dessa vez pelos cabelos. E sabe o que ela fez? Nada. Só disse que me desejava um pouco mais de amor próprio. E sabe o que é o pior de tudo? Ela tinha razão. Se eu tivesse amor próprio, não teria me adoentado desse jeito por você. – disse ela.
Aquela informação era nova para mim. Quando Diana me disse no hospital que Toni estava bem e em casa, me disse que Antonia sequer falou com ela. Disse que ela estava pelos cantos. Mas jamais mencionou que tivesse sido agredida. A paciência de Diana era tão apaixonante quanto seus outros atributos. A sinceridade de Antonia parecia cada vez mais concreta. Depois de alguns instantes de silêncio, Antonia retomou a palavra:
- Eu cheguei ao fundo do poço, Érico. E quando se chega lá, é muito fácil ser manipulado por quem detecta vulnerabilidade de longe. Fábio me disse que você faria essa operação. Foi um dia antes de ele entrar aqui e... você já sabe. Eu não tive nada a ver com isso. Quando soube que ele entrou aqui com uma arma, caiu a ficha sobre o ponto em que eu tinha chegado. Dois dias antes, quando me contou sobre sua operação, ele disse que quando você enxergasse, eu não teria mais nenhuma chance porque Diana era infinitamente mais interessante que eu. Como fui burra, meu Deus. Eu não quis que você fizesse a cirurgia porque achei que se me visse, minhas chances seriam ainda menores... – disse.
Minha raiva por toda a situação chegava a extremos que eu não me lembrava de ter visitado. Era muita sujeira por todos os lados. Ao mesmo tempo, eu não podia deixar de perceber a verdade do arrependimento de Antonia. Foi então que ela concluiu:
- Eu sei que você deve estar com ainda mais ódio de mim, Érico, mas essa é toda a verdade. Eu precisava dizer isso antes de ir embora. Sei que é praticamente impossível que você me perdoe. Mas, se for capaz, eu vou admirá-lo mais do que já admiro. Quero começar minha vida de novo, longe daqui. Já vi um terapeuta que vai me ajudar a me conhecer melhor. Tenho certeza que isso vai fazer diferença na minha vida. De qualquer maneira, eu não podia ir embora sem te contar as histórias completas. Eu te amei muito, Érico. Do jeito bom e do ruim. Mas guardo com todo o meu carinho as nossas risadas, nossas noites juntos, tudo que vivemos no restaurante mesmo quando você não sabia que eu era apaixonada por você. E isso ninguém vai me tirar, porque é um pedacinho de felicidade dentro da minha vida tão conturbada e insegura.
// Nesse instante, eu a perdoei internamente. Senti verdade no que ela disse. Se era ou não, eu não sei, mas queria me livrar da raiva que sentia de alguém por quem nutri tanto apreço. Antes de se despedir, Antonia fez uma pergunta:
- Sei que talvez seja pedir demais, mas eu posso te dar um último abraço? Só pra lembrar dessa versão de você.
Meu peito apertou, mas eu senti que aquela era a última vez que eu a veria na vida. Consenti. Antonia me abraçou com ternura, mas sem nenhum tipo de malícia. Deixando uma lágrima escapar, disse:
- Deus. Você está ainda mais bonito do que era.
Depois de mais alguns instantes, concluiu:
- Diana é a mulher da sua vida. Cuide bem dela, Érico. Ela já cuida muito bem de você. Posso garantir. Espero um dia encontrar alguém que me ame como você a ama. Toda mulher merece ser amada por um cara como você. Tive que chegar às últimas consequências para aprender isso, mas aprendi.
Assim que Antonia disse a última palavra, a porta se abriu.
Diana.
Pela primeira vez, eu reconheci um olhar de decepção.

Dias que eu não viOnde histórias criam vida. Descubra agora