Capítulo 30 - Luz ou sombra

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“- Meu lindo... e se houvesse alguma chance de você enxergar?”
Diana parecia deixar qualquer problema mais simples. Ao ouvi-la falar, um sopro de esperança tocou meu coração e meu corpo. Eu não consegui negá-lo ou sufocá-lo. O jeito de Diana me levar pelo caminho de uma possibilidade que podia mudar pra sempre a minha vida parecia ter quebrado ou pelo menos amenizado um trauma de infância. Ainda doía ter revelado aquela dor que poderia parecer boba para algumas pessoas, mas dividi-la com Diana foi libertador.
Como é bom quando alguém não ri dos nossos medos.
Como é bom quando alguém é capaz de entender nossas angústias sem um julgamento precipitado.
A noite já tinha caído e Diana me convidou a entrar. Desde a fatídica pergunta dela, eu não conseguira dizer nada. Apenas deixei rolar sinceras lágrimas. Ela respeitou meu silêncio. Quebrou-o apenas para me convidar para entrar. Nos sentamos no sofá e deitei sobre o colo dela. Os dedos finos e longos acarinhavam minha cabeça e eu me sentia seguro. Foi a vez dela falar um pouco mais:
- Eu imagino o quanto isso doeu em você, Érico. Sei também que a decisão de não procurar mais ajuda foi uma resposta a esse mundo maldito em que as pessoas não têm paciência e carinho com as outras. Você venceu, Érico. Provou pra todo mundo que era capaz, mesmo lidando com o que essa gente chama de limitação. – Diana tinha um discurso que me agradava. Deixei que continuasse a falar.
- Mas agora que você já provou pra todo mundo que é capaz e muito, mas muito bom no que faz, eu acho importante que pense um pouco mais em si mesmo. Nas coisas que gostaria de ter pra sua vida. Eu não posso prometer que sua cegueira é reversível. Seria irresponsável da minha parte. Mas acho que você tem que se dar ao menos o direito de dar nome a essa situação. Saber é sempre melhor do que supor. Pelo menos é o jeito que eu penso. – concluiu ela.
- Eu sei. – respondi – mas tenho muito medo. Passei muito tempo com isso guardado dentro de mim e com medo de ser julgado. Preferi vencer pelo talento do que perder pelo cansaço.
- Eu entendo – respondeu Diana – entendo mesmo. Mas você já tem 32 anos, Érico. Já é um adulto. Imagine se houvesse essa possibilidade... você não gostaria de tentar?
- Acho que sim. – respondi timidamente.
- Lembre sempre que se isso for possível, eu vou estar do seu lado. O tempo todo. Já cuidei de você duas vezes e você saiu inteiro do outro lado, não é verdade? – e riu.
Um misto de sentimentos me tomava. Era como enfrentar a maior fobia da vida e tentar fugir disso com todas as forças ao mesmo tempo em que parte de mim olhava para a situação como uma forma de mudar a vida. Apoiado na coragem que aquela jovem enfermeira tinha incutido em mim, decidi tentar. Apenas assenti com a cabeça. Ela me beijou a boca e disse:
- Eu vou cuidar de tudo pra você. Vai ser mais fácil do que você imagina. Eu prometo.
Diana já tinha feito muitas promessas. Também tinha cumprido todas. Cheio de amor, respondi:
- E eu quero ficar com você para sempre. Eu te amo, Diana.
- Eu te amo, Érico.
A tensão daquele momento foi quebrada por um amor que me fez esquecer do mundo e de todos os problemas que vinham com ele.
Diana agilizou contatos e marcou a consulta para a segunda-feira mesmo. Não queria perder a oportunidade que tinha criado ao me sentir minimamente confortável.
Ao entrar no consultório e sentir o cheiro característico, tive vontade de fugir. Meus braços tremiam. A vontade de desistir era muito grande. Mas meu ombro sentia de forma intensa a presença de dedos alongados e leves, acompanhados de um perfume de flores indescritível e, quando a ansiedade parecia querer me dominar por completo, lábios doces e ternos estalavam em minha bochecha.
O oftalmologista me chamou. Eu não queria falar. Diana falou tudo por mim.
O profissional me pediu alguns exames para poder dar um diagnóstico completo. No consultório mesmo, Diana me encaminhou até as máquinas e me ajudou a me acomodar da melhor forma. Eu já estava bem, não tinha mais hematomas do ocorrido com Fábio e Antonia, mas o medo ainda me paralisava um pouco.
Testes de luz, colírios e mais um sem número de técnicas. Nenhum resultado. Nada diferente do que eu já estava acostumado. Saí dali com a incumbência de voltar com exames mais detalhados.
Diana fez mais algumas ligações e na mesma tarde de segunda-feira eu estava em um laboratório especializado. Não sei precisar quantos tipos de exames fiz, só sei que saí dali direto para o trabalho, onde começava a retomar algumas coisas.
Os resultados sairiam na quarta-feira. Eu deveria levá-los nesse mesmo dia ao oftalmologista. Toda essa situação me causava um grande desconforto, mas algo dentro de mim dizia que havia uma possibilidade que eu neguei a vida toda.
Naquela noite, Diana me esperava no hospital para voltarmos juntos para casa. A encontrei e caminhamos em silêncio.
- Tudo bem? – perguntou ela depois de alguns instantes
- Tudo. – respondi – só estou pensando em algumas coisas.
- E eu posso saber o que é, chef Érico?
- Estou pensando em por que não fiz isso antes. Por que tive tanto medo?
- Não pense nisso, Érico. As coisas acontecem – ou não – quando é a hora. Nunca é tarde pra nada nessa vida. Ainda assim, eu não quero que pense demais a respeito disso. Você sabe que não pode se frustrar se não for possível reverter. Estamos tratando de possibilidades aqui. Eu te amo. Não quero mentir pra você em momento algum.
Diana fazia questão de bater nessa tecla, mas acho que nem era isso que me empolgava tanto.
O que me empolgava mesmo era saber que aquela mulher que me acompanhava me ajudou a enfrentar o maior medo da minha vida.
Se a resposta fosse positiva, eu vibraria de alegria.
Se fosse negativa, ainda assim agradeceria eternamente ao universo pelo anjo que colocou na minha vida.
Em dois dias, eu saberia se teria a possibilidade de conhecer a mulher que tanto amava.

Dias que eu não viOnde histórias criam vida. Descubra agora