Capítulo 15 - O casamento da minha enfermeira

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No mais íntimo do meu ser, eu queria que alguém entrasse pela cozinha e dissesse:
- O casamento foi cancelado. Parece que o noivo tinha outra família em outro estado e não falou pra ninguém, uma loucura. Vamos dar tudo isso para os pobres.
Não foi o que aconteceu.
É verdade que eu estava com Antonia há mais de um mês e isso tinha amenizado as coisas no meu peito, mas o dia do casamento de Diana e Fábio foi um fardo pesado de carregar. Ainda assim, eu precisava controlar minhas emoções e me concentrar na cozinha. Tudo tinha que sair perfeito. Meu trabalho era o que de mais precioso eu tinha e, ainda que fosse a contragosto, eu queria que as pessoas comessem rezando.
Percebi que os noivos chegaram da celebração religiosa quando o salão explodiu em vivas e votos de uma união eterna. Fazia silêncio dentro de mim. Nem percebi que um colega se aproximava com os ingredientes separados para mais um prato. Só no terceiro “chef” foi que percebi que ele estava ali.
Antonia estava ligada no 220. Entrava e saía da cozinha feito louca pedindo um milhão de coisas ao mesmo tempo. No meio da loucura, passou por mim e disse:
- Ela está horrível, parecendo um repolho. E mais, a família é chata pra caramba, ainda bem que você se livrou disso.
Foi tão espontâneo que acabei rindo. Antonia riu comigo por cinco segundos e saiu gritando de novo atrás de pratos, copos, garçons e um milhão de coisas.
Já eram quase cinco da manhã quando tudo acabou. Eu estava dispensando o último assistente da cozinha quando Antonia entrou e disse, com certo desprezo:
- A enfermeira quer te agradecer. Se quiser, eu digo que você já foi.
- Se você não se importar com isso, pode deixar ela entrar. Eu sempre converso com os clientes depois de uma festa. Não acho que seria adequado não fazer isso agora. Você se importa? – perguntei.
- Claro que não. – respondeu Antonia. – Já disse que ela está parecendo um repolho.
E rimos juntos de novo. Era o clima perfeito para falar com Diana com o mínimo de impacto possível. Eu sentia que Antonia me fornecia uma redoma emocional que me fazia muito bem. Ela saiu e, na sequência, ouvi os sons da cauda do vestido se arrastando pela cozinha. Logo depois o perfume de flores tomou o ambiente. Me preparei como uma caça que sente seu predador se aproximar devagar. A voz melodiosa completou o combo que tinha virado minha vida de cabeça pra baixo:
- Que jantar incrível, Érico. Parabéns. De coração, parabéns.
- Que bom que gostaram. – respondi. E o casamento, como foi? – me arrependi logo depois de ter deixado a pergunta escapar.
- Foi bom, foi bom. Vai ficar tudo bem.
Não pude deixar de sentir uma certa tristeza no seu tom de voz. Supondo que fosse meu coração distorcendo os fatos, ignorei imediatamente.
- Já vou indo. Fábio está me esperando. Mais uma vez, parabéns, Érico.
Senti que a mão dela encontrou a minha e me cumprimentou num gesto rápido antes de sair. Antonia voltou logo depois e me abraçou dizendo:
- Juro pra você. Um repolho.
Rimos e encerramos o trabalho. No caminho para a minha casa, as palavras de Diana pareciam um disco arranhado.
- “Foi bom, foi bom. Vai ficar tudo bem.”
Ela não podia estar bem.

Dias que eu não viOnde histórias criam vida. Descubra agora