Capítulo 49 - Vida que segue

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Eu estava sentado à frente do dr. Claus. Minha perna se movia com rapidez num movimento nervoso enquanto ele analisava calmamente o resultado de cada um dos exames.
Depois de muito avaliar e fazer algumas anotações sobre as folhas, ele olhou para mim e disse:
- Está tudo normal aqui, Érico. Clinicamente falando, você não tem com o que se preocupar.
O suspiro de alívio veio quase que involuntariamente. Eu tinha uma pergunta difícil de fazer, mas que eu sabia que me acompanharia dali em diante se não a fizesse naquele momento. Sendo assim, tomei coragem e perguntei:
- Doutor... existe chance de eu ficar cego de novo? Assim, do nada?
O dr. Claus foi direto:
- Veja bem, Érico, os exames que você fez mostram resultados normais, de uma pessoa que não tem nenhum problema de visão. Eu diria que é muito difícil que isso aconteça. Entretanto, você fez um procedimento raro, e isso sempre tem algum risco. Até hoje, o que conhecemos foram os outros casos semelhantes ao seu que são de fora do Brasil. Os dois que voltaram a ver continuam vendo, mas nunca tiveram nenhum tipo de oscilação, pelo que se tem de informação. Eu acredito muito que possa ter sido um pequeno lapso, daqueles que a gente tem às vezes quando acorda sonolento e não tem total consciência do que está fazendo em função do cansaço. Estamos falando de um tratamento raro, por isso, é importante que você acompanhe isso com muita atenção. Se tiver mais algum lapso desse tipo, volte a me procurar, está bem?
Não posso negar que a conclusão lógica do oftalmologista não mexeu comigo. Comemorei tanto o fato de poder enxergar que a mínima possibilidade de perder esse direito de novo me corroía as veias.
Saí da consulta um pouco abatido. Embora o médico tivesse dito que estava tudo bem e que minha visão estava “clinicamente” perfeita, é lógico que eu percebi que havia sim uma possibilidade de ficar cego de novo. E, agora, essa parecia a pior ideia do mundo.
A preocupação me tomou por completo e eu não consegui escondê-la quando Diana chegou à entrada do hospital e me encontrou sentado em um banco, cabisbaixo. Ela sentou-se ao meu lado sem dizer nada e disparou:
- Ei. Esse assento é preferencial para gestantes. – e riu. Nem a risada de Diana me tirou de meus pensamentos catastróficos. Percebendo minha distância, me perguntou o que estava acontecendo. Eu não conseguia mais guardar aquilo só comigo.
- Há alguns meses, numa noite, eu acordei para beber água e... bom... por alguns segundos eu não consegui...
/// ao dizer isso, caí num choro compulsivo. Diana me abraçou com força e com um olhar preocupado.
- Não conseguiu o que, meu amor? O que foi que aconteceu?
Eu já me preparava para uma reação nervosa de Diana, de uma cobrança sobre o porquê de não ter contado antes, mas consegui concluir o que tinha pra falar:
- Eu não consegui enxergar. Eu fiquei cego por alguns instantes de novo.
Diana me abraçou com força. Pela primeira vez, ela estava sem resposta. Quando se recuperou da notícia, me disse preocupada:
- Érico... você devia ter me contado... a gente já teria voltado ao oftalmologista para fazer alguns exames...
- Eu estou vindo de lá. – interrompi – fui entregar alguns exames que fiz. Eu sei que devia ter te contado antes, mas eu não queria te preocupar por conta do bebê.
Diana não parecia ofendida com minha omissão. Parecia sentir que eu só não contei porque, do meu jeito, queria protegê-la.
- Eu não vou brigar com você, Érico. Não precisa ficar assim. É lógico que eu preferia que tivesse me contado, mas, pelo menos, você já fez os exames... e aí, o que dizem os exames? Fala pra mim, meu amor!
- Dizem que eu não tenho nada. – disse eu, sem muito ânimo. Diana me abraçou com força e chorando disse:
- Ai, obrigado Deus... obrigado... mas, Érico... se o resultado diz que você não tem nada, por que está assim?
- O dr. Claus me disse que tenho a visão de uma pessoa normal mas, por ter feito uma cirurgia rara, não dá pra descartar que eu volte a perder a visão.
Diana pegou minhas mãos entre as suas, olhou em meus olhos marejados e disse:
- Érico. Não dá pra descartar praticamente nada na vida. Pode ser que a gente vire a esquina e seja atropelado por um caminhão. Mas também pode ser que a gente viva até os 100 anos. Pode ser que a nossa vida seja cheia de problemas, mas também é cheia de alegria. Você, mais do que ninguém, sabe que nada é cem por cento feliz ou cem por cento triste. Não existe certeza absoluta na vida. Mas a gente pode escolher no que quer acreditar. Se os exames dizem que a sua visão não tem nada de errado, aceite isso. Não pense no que pode acontecer lá na frente. Você não tem controle sobre isso.
/// Ouvi atentamente as palavras vindas da dona do perfume de flores. Elas pareciam um cobertor sobre as minhas dores e medos. Diana me curava com suas palavras. Expulsava meus demônios com seu sorriso. Parecia colocar com as mãos um punhado de calma na minha alma. Depois de ver que eu já parecia mais tranquilo, Diana continuou:
- Agora, por exemplo, a gente tem a chance de descobrir algo lindo das nossas vidas. Um momento que nunca se repetirá. E você está vendo tudo isso. Se não estivesse, eu te amaria mesmo assim, porque sei que você pode sentir como nunca vi ninguém sentir. – Diana hesitou por alguns instantes, me estendeu a mão e disse:
- Vem comigo?
Eu a segui, calmamente. Já não pensava tanto no meu medo. Pensava mais no rebento cujo sexo eu descobriria em alguns instantes.
Dentro da sala de ultrassonografia, eu vi uma tela com uma imagem completamente disforme que foi ficando cada vez mais clara. Segurando a mão de Diana, identifiquei uma pequena cabeça, tronco e membros. A tela parecia ter ficado embaçada, mas eram meus olhos que já começavam a transbordar. A médica que fazia o procedimento sorriu e olhou para Diana e eu com brilho nos olhos.
- Parabéns, papai e mamãe. Conseguem ver aqui? Já está muito claro.
Beijei a testa de Diana. Eu não entendia nada, mas percebia com riqueza de detalhes quão único era aquele momento.
- Aparentemente, está tudo certo. São só 14 semanas ainda, mas já posso afirmar com certeza que vocês serão pais de...

Dias que eu não viOnde histórias criam vida. Descubra agora