· Capítulo 12 ·

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Gustaf ficou parado, com as costas encostadas na fina folha sólida de madeira, braços previsivelmente cruzados, executando sua fiel pose de Eu Sou o Macho Daqui. Tentei não deixar transparecer minha crescente confusão. Tentei até anulala, porém não existia uma forma de negar emoções. Elas são obrigatórias, e não a nada que possa ser feito quanto a isso se não senti-las.
Mesmo assim, não resisti a facilidade de continuar na ignorância de tentar renuncia-las. É muito mais fácil lutar contra o que não se quer aceitar, por mais cansativo que seja.

- Por que me trouxe aqui?

A resposta era óbvia, mas queria ouvi-la sair de sua boca. Eu estava bem no centro da antiga sala de Kátia. Descobri meu destino antes mesmo de chegar até a metade do caminho. Preocupante seria se eu não o descobrisse, e digo isso porque quase aconteceu. Esse foi mais um golpe que tive que receber sem o direito de reclamar.

- Não quer descobrir o que está matando lobos por aí? O que matou sua amiguinha?- Gustaf desfez o aperto de seus braços, indo até uma janela e abrindo-a, lançando mais luz no lugar. - Aqui está sua oportunidade valiosa.

Balancei a cabeça, confirmando minha teoria. Nem dava para acreditar que ele estava me ajudando. Não dava mesmo.

- Ela estava no chão do banheiro quando a encontraram. Os moradores vieram investigar o cheiro ruim. O cheiro ainda estar podre aqui. - assobiou, varrendo os olhos analíticos por toda a sala, que estava apenas iluminada pela a luz da janela-recém-aberta. - Quer ir lá?

- Sim. - confirmei, burra. Só o cheiro de Kátia misturado a uma podridão incomum já estava me fazendo mal, e mesmo assim queria ver o exato local onde ela morreu. - Eu quero.

O lobo passou em minha frente. Sem ter certeza se eu estava mesmo preparada para isso, o segui. O cheiro dela estava suave e quase desaparecendo entre os cômodos, sendo substituído por um podre que me deixava enojada. Um podre que se intensificava com a mesma velocidade com que eu adiantava meu passos.

Não costumava visitar Kátia, mesmo em tantos anos de amizade. Nunca se quer fiz questão de entrar em sua casa, então não sabia onde encontrava-se absolutamente nada. Ver Gustaf se deslocando de um lugar para o outro, como se conhecesse o lugar todo como a palma de sua própria mão, estava começando a me deixar incomodada.

O lobo arrastou um pouco a porta do quarto para frente, fazendo um barulho agudo e desagradável no processo. Uma lufada de um cheiro irreconhecível e podre me envolveu em seu abraço morno e fedido. Estava muito pior lá dentro. Eu não consegui farejar nada do que um dia poderia ter sido o odor de Kátia.

Percebi o olhar rápido que o Lynca me lançou antes de abrir completamente a porta do quarto, como se estivesse pensando uma segunda vez se deveria mesmo me deixar entrar.Me alertei com isso, me apressando em ultrapassa-lo antes que levasse a sério a possibilidade de mudar de idéia. Nossos ombros acabaram se esbarrando enquanto eu o ultrapassava pela a porta.

- Ela estava dentro do banheiro.

Como uma coordenada, fui até o banheiro, que era embutido dentro do quarto. Kátia nunca me disse que tinha uma facilidade como essa.

Abri a porta de uma só vez, para não me dar tempo de pensar se queria mesmo fazer isso.

Me arrependi imediatamente quando encontrei o chão todo pintado de um vermelho seco, e para meu desespero ainda maior, um pedaço de pele pendendo sobre a pia. A pele estava com uma aparência seca e o sangue parecia querer também fazer parte da decoração, de tão grudado ao chão.
Foi inevitável não imaginar a cena. Primeiro, veio os últimos momentos agonizantes de sua vida; os gemidos e clamores por misericórdia, a vontade de viver. E então, minha mente se preencheu de imagens de seus olhos tão vividos e energéticos, transbordando dor. O sangue escorrendo de sua pele enquanto ela tentava se manter firme na pia. Enquanto ela tentava se manter viva. Imaginei cada segundo de sua morte como se eu mesma a tivesse visto. Imaginei com tanta dedicação, que pareceu uma lembrança que eu sempre tivera antes.

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