• Capítulo 34 •

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Um assassino habilidoso é também um bom dançarino, um rapaz aparentemente simpático, um rosto amigável. Um assassino habilidoso  também é um paciente professor, que me guia pelo salão enquanto as dobras do vestido giram e batem em minhas pernas

Um assassino habilidoso também é o desmembramento de uma família,uma filha tão homicida quanto desesperançosa, uma boa amiga desfeita em restos de pele e ossos, um ódio que sustenta um corpo, mesmo que não a certeza, mas a consciência disso não o comova. Contudo um assassino também sou eu, uma hipócrita por julga-lo.

Mas uma hipócrita que não se importa. E uma hipócrita com um bom motivo

A música se agita, os corpos estão mais agitados, os passos antes vagos agora são quase frenéticos enquanto as pessoas se juntam e separam até ficar pelo contato de  uma  só mão

Olho para Gabriel, não sei dançar, quanto mais isso. Só tive uma dança na vida e não sei se pode ser contada. Ele sorri, um olhar que diz "fique calma". Ele emana uma certa ideia de tranquilidade que engana, como se eu não tivesse visto o que deixou no beco há algumas noites; uma garota morta e solitária

— Apenas repita o que estiver vendo. Não se preocupe

Sua postura muda, o corpo entrando no tom da música

— Vou tentar

O que faço, segurando sua mão e me movendo no ritmo da musica, trocando de lugar, ouvindo todos os risos ao redor, indo e voltando como se fosse um ioiô em seus braços

Enquanto sua mão está em minha cintura e a minha em seu ombro, só posso pensar no quanto  essa situação é espantosa, tão irreal quanto um sonho, e fico me perguntando por que ainda estou aqui, a beira do riso histérico, quando tudo que quero é interroga-lo de forma sórdida, quase infame. Sou levada quase imediatamente para o Sul, o Castelo e seus risos, Gustaf e suas piadas, e me odeio um pouco mais por pensar nisso agora, pois além da Ira, as lembranças me trazem também um aperto, um que não consigo ou posso controlar

O que eu pensei que pudesse fazer? Matar, revelar ou simplesmente saber? Balanço a cabeça, antecipada demais para quem ainda está apenas dançando

A musica acaba

Estamos suados e rindo, pois pisei em seu pé e depois de tropeçar Gabriel quase caiu encima de um outro rapaz no salão

— Devo  ser um péssimo professor — ele diz, enquanto andamos até a mesa de bebidas e comidas — Todo o salão deve está rindo de mim agora

Mas ele diz isso rindo, sei porquê estou olhando

— Não foi tão mal — digo — já vi piores

— É mesmo? Como o quê?

Finjo refletir, enquanto ele abre o caminho entre as pessoas se pondo a frente, mesmo que eu estivesse fazendo isso muito bem

— Piores

— Bom, você também não foi tal mal, Jeneci

— Apenas quase o joguei no chão na frente de todos

Ele sorri, pegando dois copos de bebida cor de rosa quando chegamos a mesa, me oferecendo uma com reverência formal e forçada, que devolvo com um entrelaçar de pernas

Gabriel bebe a sua, mas devolvo a minha a mesa enquanto ele olha entre as pessoas. Não posso deixar de observa-lo, sentido uma ansiedade que me abraça como um formigamento

O que ele fará depois daqui? Quantas vezes fará?

— Me diga — ele começa, mal posso escuta-lo através da música — Está aqui pelo mesmo motivo que eu?

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