O Lynca puxou os retalhos do vestido com a própria mão de dentro do vaso, os erguendo até a altura dos olhos. O que não pude deixar de achar nojento.
Seus olhos vagaram por cada detalhe da peça, sem demonstrar qualquer sentimento ou interesse. Eu o observei a todo momento, enquanto me apoiava na porta e era cada vez mais intensamente preenchida por um forte sentimento de insegurança.Quando o lobo deixou que os pedaços de pano lilás caíssem dentro do balde que a empregada havia trazido, e logo depois foi até a pia lavar as mãos, eu quase não suportei a vontade de lhe pedir perdão. Senti como se lhe devesse um belo de um pedido de desculpas. Mas nada fiz. O orgulho era forte demais para isso.
A empregada havia levado o vestido destruído dentro do pequeno balde de madeira para fora do quarto, nos deixando a sós. Eu quase pedi para que ela ficasse e não me deixasse sozinha com ele, mas quando encontrei seu olhar, ela parecia ainda mais indignada comigo do que o próprio lobo - que até então não havia aberto a boca para falar uma única palavra desde o acontecido. Pelo o contrário, apenas fechou a porta do banheiro e aproveitou para tomar um banho.
A insegurança do que tinha por vir estava me matando. Seu silêncio estava me matando.
Me sentei no chão, de frente para a porta espelhada do guarda-roupa, me observando. Meus cabelos cacheados estavam presos, como quase sempre. Minha aparência também não era a mais agradável de todas. Calça largas e masculinas e uma blusa aproveitada de um vestido estragado, e ainda por cima, uma sapatilha gasta - já que nunca tive dinheiro suficiente para investir em botas. Com certeza não estava bela ou agradável aos olhos. Não que isso importasse agora, mesmo algo dentro de mim dizendo que, sim! Importava.
Puxei os joelhos e os abracei, encaixando minha cabeça entre as pernas. O que eu iria fazer depois que ele saísse do banheiro? O que iria fazer daqui para frente? Querendo ou não, sabia que vinha sido tola e me iludindo com falsas esperanças. Sonhos utópicos e não confiáveis de que seria livre de tudo é todos. Eu bem sabia, desde o momento em que senti seu cheiro naquela maldita floresta, que as coisas não seguiram mais a rota desejada por mim. Mesmo que com esforço.
Meus próprios pais foram quem me deixaram bastante ciente disso. Acho que a morte dos dois acabou me traumatizando um pouco, e inflando ainda mais em mim o sonho de nunca encontrar o, ironicamente, "sonhado" companheiro.
Eu ainda tinha uns 11 anos quando aconteceu. Lembro que minha mãe estava estendo roupas no varal para aproveitar o sol, já que o clima andava bastante chuvoso. Brirce era o nome da minha mãe. Ela estava recolhendo as roupas já secas para dar espaço para as molhadas quando caiu no chão, gemendo intensamente de dor. Eu estava lendo um livro, e quando percebi o que acontecia, fiquei desesperada.
Mal sabia eu, que naquele exato momento, meu pai havia acabado de morrer. A atitude da minha mãe foi apenas uma reação a isso, já que estava sentido na pele a morte do parceiro e toda a dor que ela podia lhe proporcionar.
Ela estava gritando e chamando por meu pai incansávelmente - ele havia sido chamado para servi uma das alcatéias do norte por cerca de um mês, investigando desaparecimentos que terminavam em rastros de sangue e restos de pessoas mortas.Era um rastreador. Então, não estavam próximos, o que apenas piorou a situação. O que eu faria? Era uma criança vendo a mãe chorar e gritar pelo marido, estirada no chão. Demorou até que eu entendesse que deveria chamar os vizinhos para ajudar.
Essas com certeza não são lembranças boas, e o que se seguiu depois, foi ainda pior.
Pela noite, dois guardas da alcatéia do norte invadiram nossa casa, e disseram, sem aviso ou preparação, que meu pai havia morrido. Não nos deram tempo para digerir a informação (por mais que minha mãe já estivesse deixando, mais cedo, isso claro). Foram rápidos. Severos. Nenhum pingo de empatia foi dado a nós, quando recebemos a fatídica notícia.
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WerewolfNão se há muitas escolhas quando se é condenada a nascer mulher em uma alcatéia onde o machismo não é regra, mas é seguido como tal. Jeneci nunca quis um companheiro e ainda menos as consequências indesejaveis que ter um traria Tinha um plano de evi...