• Capítulo 38 •

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Não preciso abrir meus olhos para entender que o macio sob mim é um colchão, também não preciso de muito esforço para acessar minhas últimas lembranças, uma vez que elas me atingem como um soco

Eu poderia ser ingênua e acreditar que aquele arrogante cocheiro decidiu ser gentil comigo, que a visão que tive foi apenas mais uma alucinação, contudo, além dessas provas, há um cheiro que se espalha por todo o ambiente, ocupando e invadindo. Me intumpindo com o aroma

Mal posso o definir, como se se quer existisse uma palavra para  lhe fazer justiça, mas posso dizer que o aprecio.

E odeio aprecia-lo

E o reconheço

Abro os olhos depressa, usando meu braço como apoio para  levantar. Sento, olhando ao redor do quarto espaçoso, duas janelas grandes atrás de mim dando para um mar de árvores que se perdem na minha visão, uma mata intricada.

É início de noite

Início do fim

E, então, lá está ele, meu delírio personificado

Está ao lado esquerdo do quarto, para o qual estou sentada, em frente a um espelho. Sabe que o estou encarando, mas continua ajeitando os botões nos pulsos de sua camisa de manga longa, grande, apertada por um colete vermelho de botões, calças pretas. Está mais magro do que lembro, embora não franzino; o cabelo está maior e forma ondas até o pescoço

Olho para mim mesma, para minhas roupas novas que não troquei. Um vestido verde escuro, esmeralda, com rendas da mesma cor que vão da clavícula até formarem mangas que terminam em meus cotovelos, folgados

Estreito os olhos, irritada, mesmo que saiba que o corpo é apenas pele superestimada e padronizada

— Espero que não tenha sido você a me trocar — eu não penso no que digo, exatamente, apenas digo

— Espero que tenha gostado da cor — responde, virando-se para me encarar, e sinto uma contração ansiosa no estômago. Os meses que não nos vimos parecem anos agora, se construindo para depois se desfazerem mutuamente — .Eu mesmo escolhi. Penso que fica bem em você

Eu o encaro, tentando não pensar muito nos vários "e se's". Se me questionar agora por tudo que poderia ter evitado com esse encontro, posso enlouquecer, se começar a me perguntar agora o que eu deveria ter feito para evitar esse momento, para esta em casa maquinando e livre, posso acabar chorando

Se parar para pensar que há algo em mim vibrando de contentamento, feliz em vê-lo como se eu fosse me desfazer só de olha-lo, posso acabar batendo minha cabeça na parede até não ter mais consciência

— Onde estamos?

Torço fervorosamente para quê, de alguma forma, não tenha ficado inconsciente por tempo o bastante para ser arrastada de volta para o Sul. Céus, o que me deu?

Apenas mais uma crise? Ou o resultado de sua aproximação? Eu deveria ter compreendido, mas achei (achei) que se voltasse a chegar perto deste, deste... Pensei que seria mais como um rastreador, como um impulso, como na primeira vez que nos vimos

— Em um quarto, em minha casa

Tento me levantar, mas caio quase imediatamente. Gustaf se moveu tão rápido que quase não pude vê-lo, apenas sentir seus braços ao redor de mim

— Ainda está fraca, Jeneci. Precisa descansar

Ainda no chão, me sento sobre os calcanhares, Gustaf a minha frente com olhos observadores, olhos que procuro não encontrar

— Como me achou? — pergunto, a interrogativa que não posso evitar

— Se estivesse tão compenetrada em fugir de mim, não deveria se dedicar à passeios

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