• Capítulo 25 •

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Apesar de saber que a palavra mais adequada para este momento seja covardia, ainda prefiro ver como precaução, ainda prefiro que minha incapacidade de andar até o chalé e bater na porta seja apenas um zelo com meu orgulho tão ultimamente maltratado.

Agora que a manhã desponta, com raios tímidos e ousados que começam a tentar vencer a noite, vejo que não tenho palavras. O que vou fazer? Entrar e pedir desculpas? Existem outras formas. Ainda posso esbarrar com algum deles por aí; ainda posso fingir um esbarrão.

E, agora que sabem minha nova posição, a quem estou ligada, suas impressões estão influenciadas.

O chalé está adormecido, sem nem mesmo uma vela. Observo, espero que alguém saia para que eu possa ter um motivo. Apenas um. Espero, torço e almejo tão intensamente que, logo me preocupando se meu cheiro ainda está perceptível, ouço o barulho de uma porta abrindo.

É apenas um gemido, mas agora não sou somente eu. O gemido repete, uma porta fechando, atrás do chalé.

Estou apenas com a blusa, mas coloco as calças e então cuidadosamente dou a volta, desviando de folhas e galhos. É um caminho longo e lento, me mantenho distante, mas encontro uma silhueta, sentada ao lado de um canteiro, logo atrás do chalé.

Ele está encostado em uma vassoura, os cabelos louros bagunçados por todo o rosto em um rosto branco, sombreado pelo laranja e negro da manhã.

Ashton parece quase desolado, e é tentando vê-lo que me destraio e tropeço numa raiz. O barulho atrai sua atenção, vejo seu rosto virando na direção. Paro de respirar, imóvel no chão, com a visão prejudicada por troncos e brotos, mas a validade da poção já deve ter acabado há muito.

Seus passos são a contagem desesperada do tempo que tenho para formular uma boa desculpa, mas quando sua imagem surge ainda não tenho nem uma. Um veado me atraiu para cá? Nós dois sabemos que vestida assim é no mínimo suspeito.

Me levanto, aceitando sua mão. Ele não diz uma palavra até que eu esteja em pé, e me pergunto se, caso eu fosse humana, meu rosto estaria vermelho? Lobos também ruborizam, mas a sensação me é estranha, e não me vem, como agora.

— Devo perguntar? — sua voz está baixa

— Eu prefiro que não — a minha também

— Então não perguntarei. Quer caminhar?

Se ele soubesse que passei toda uma noite esperando por uma conversa, toda uma noite esperando por essa oportunidade? Balanço a cabeça, sentido uma satisfação que é um quase um poder, de um conhecimento só meu.

Caminhamos em silêncio até uma trilha próxima, mas estreita, obviamente de crianças brincando de quem mata mais, e só quando estamos bastante longe decido dizer algo.

— Posso perguntar o que fazia ali fora?

Ele olha para mim, sorri, sombrancelhas cerradas, um "você pode e eu não?", mas não me corrijo ou desculpo, apenas espero.

— Às vezes preciso de certa amplitude, para reflexão, sinto que meus pensamentos se espalham, que as coisas podem ficar mais nítidas

A fala é um pouco preguiçosa, mas não arrastada, não preciso esperar pelas palavras

— Você precisa de um espaço extra para organizar seus pensamentos?

— É exatamente do que preciso

— E no que você costuma pensar? — digo, e me arrependo, porque talvez tenha sido longe demais.

— Em muito e em nada, meus pensamentos se sobrepõem, me engolem, mas também desaparecem, quando querem.

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