• Capítulo 36 •

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Coloco minhas roupas comuns e atravesso o salão da mansão, olhando para baixo. Viver agora é minucioso

Ainda crio várias cenas diversas  onde alguém descobre quem matou Damien, onde Gabriel apareçe cheio de certezas ou  que, a mais usual: simplesmente volto para casa e descubro que o Lobo está lá, me esperando, sentado nos degraus e com um sorriso, que é mais a sombra de um — este foi o cenário de um dos meus pesadelos, mesmo que já faça meses desde que fugi

Estou indo até a casa de Charles, agora, para falar sobre Ágatha. Pensei que contatá-lo aqui mesmo fosse a melhor opção, mas procurando-o descobri que já foi liberado. Motivo pessoal, ou quase. Não me deram muita informação, ocupados demais tentando ganhar a noite como se o vestido fosse um convite

Está sol e quente, e é uma longa caminhada até que eu chegue. A casa se localiza em um belo bairro cheio de crianças correndo na frente de carroças enquanto suas mães conversam em alguma varanda, vendo as crias através do jardim

Atravesso o jardim, subo os degraus a
bato à porta. Sou atendida em segundos, por Alice, que esta segurando uma forma cheia de biscoitos mesmo que o horário seja de  almoço

— Jeneci! Que surpresa. Pensei que houvesse sido sequestrada

E lembro, lentamente, que se quer me despedi  ontem a noite

— Me desculpe por isso — simulo, com uma expressão de culpa reforçada pela minha nova aparência — e também lamento o horário. Preciso falar com Charles

— Ele está em uma pequena reunião com um amigo, estava indo servi-los agora mesmo — abre mais a porta — Entre, entre

O que faço, encostando a porta rápido para poder segui-la, pois já despontou pela sala, onde uma garota está sentada em uma cadeira estofada, lendo um livro volumoso

Sem parar Alice grita através dos ombros que essa é Laura, uma de suas filhas que não pude conhecer ontem. Laura olha para mim sobre o livro e acena, brevemente, um movimento tão delicado que devolvo mesmo sabendo não ser capaz de repetir

Entro na cozinha, onde ela está ajeitando os biscoitos em uma vasilha

— Pode ficar aqui e esperar ou me ajudar a servi-los, assim ele saberá que está aqui. É errado interromper, como deve saber.

Claro que é

O primeiro impulso é achar uma péssima idéia, mas logo questiono isso, pensando no mar e no tempo. No tempo que se esgota. Respondo: — Claro

Alice me guia até uma porta de madeira enegrecida no final de um corredor, batendo na porta duas vezes antes de abrir. Me arrependo antes mesmo de ele me ver. Me sinto um parasita, impertinente, além da repelente sensação de dependência.

Alice foi gentil, mas só porque provavelmente não sabe o quanto seu parceiro tem me ajudado. Saberá que fui a criança a qual ajudou a abandonar?

Balanço a cabeça. Que coisa mais distante de se pensar. Inútil. Mas ainda penso e maquino

— Senhores — ela diz

O convidado está de costas para mim, mas Charles me olha nos olhos, tão sério que é quase palpável. Ele balança a cabeça de forma quase imperceptível. Encolho as sobrancelhas, e se um rosto pudesse falar o meu estaria dizendo "o quê?"

Uma garrafa é posta sobre a mesa e copos são distribuidos. Charles balança novamente a cabeça, um meneio em direção a porta, e se um rosto pudesse falar o dele estaria dizendo "saia"

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