• Capítulo 40 •

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Entro no quarto e deixo o roupão cair de meus braços, olhando para todo o pequeno espaço enquanto escuto Gabriel voltar a fechar a porta, ouvindo a chave girando, nos trancando

Tenho um daqueles momentos em que se parece está enxergando pela primeira vez, como se toda a minha vida meu rosto estivesse coberto por um véu: ele é translúcido, mas não pode evitar que as coisas fiquem meio embaçadas.

Agora que estou enxergando com clareza, todo o redor parece confuso e descartável. Como se eu tivesse que fazer uma limpeza — o que é um pensamento traidor e cheio de autosabotagem

Gabriel se inclina na porta com os braços para trás, olhando para mim. Não sou ingênua de achar que tenho chances contra ele em uma briga fisica, não sou inocente de pensar que está aqui, como estou, é uma boa ideia

Luto contra o impulso de cruzar os braços, e me apresso para ser a primeira a falar. Sem jogos. Sem espaços para gracejos

— Recebi o seu aviso — digo, tomando o cuidado de não o encarar nos olhos. Toda garota é ensinada cedo de que eles apreciam a sensação concedida por esse gesto. Toda garota procura aplica-lo. Quase toda garota procura agradar — Aqui estão

Puxo a saia do vestido e tiro dela duas seringas, oferecendo para ele. Gabriel não parece surpreso. Se estou aqui e não em fuga, tudo o que ele pode esperar é que eu implore

Implore pela minha adorável vida

— É muito corajosa em vir aqui fazer isso. Está sendo instruída, ou apenas se rebelando contra quem a obrigou a roubar isso?

Eu sinto um gelado arrepiando meus ossos quando ele tira elas da minha mão, e apesar de tudo parecer muito nítido, duvido do que estou fazendo.

Essa é a única forma na qual posso ver  que as coisas acabem menos mal. Ah, não. Ser agressiva aqui e agora é uma péssima idéia.

Eu gostaria, e essa não é a primeira vez, de pelo menos ter mais harmonia com o que faz de mim menos humana. Mas as vezes me sinto como uma. E apenas humana.

Sem instrução. Com uma fera que grita e rasga e rosna

Gabriel gira os cones entre os dedos, incrédulo de que posso ter pensado por contra própria. É claro que ele pensa que há algo mais por trás de mim

Ele me substima mas, ainda assim, trancou a porta. Será com o intuito de abafar algum grito?

— Está faltando uma

— Desperdiçada. Não há mais nada dela — e por que não cooperar com suas  conjecturas? Contínuo: — Tentaram estuda-la. Mas os resultados não foram bons

Ele levanta os olhos para mim, um leve sorriso.

— Acho que você entende o que eu devo fazer

— Serei a primeira da noite?

Isso o pega de surpresa, tanto que mal pode disfarçar. Da para ver em seu rosto

Sem exitação, ele não tenta encobrir nada. Mal tenta esconder

— A primeira da última noite até que os próximos anos passem — última? — Quem diria que o trabalho viria até mim?

Ele guarda uma no bolso e se desencosta da porta, girando a tampa transparente ao redor da agulha longa e afiada

— Quem está por trás de você? — pergunta, gentilmente, porque sabe que estou morta.

Se eu o ferir, estaria morta antes de sair da mansão: os guardas me agarrariam. Mas ele não acredita nessa opção. Ele acredita que sou um boneco pedindo por misericórdia, por alguém novo manipulando a cordas — mas elas estão cortadas há muito tempo

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