· Capítulo 14 - Parte 1/2 ·

7.9K 648 79
                                    

Quando eu finalmente cheguei à parte mais habitada da aldeia, o sol já não estava tão a pino quanto antes, o que me fez entender que já havia passado do meio dia a um bom tempo. Muito tempo, para ser sincera.

Acabei perdendo o almoço. Iasmim e seus amigos - pensar neles dessa forma parecia um pouco engraçado. Até ridículo - haviam me convidado para comer com eles. Neguei. Não os conhecia e se quer conseguiria me sentir bem vinda ao almoçar em meio a família deles. Me sentiria uma intrusa indesejável. E realmente acabaria sendo uma. Ninguém quer comer com uma completa estranha por qualquer motivo diferente de interesse ou educação. Resumindo: eu estou com a sensação de que deveria estar com fome mas não consigo sentir vontade de comer.

Iasmim prometeu que nos encontraríamos novamente, mas não acreditei muito nessa possibilidade. Encontrar com eles acabou tendo seu lado bom, até. Me fez perceber que eu realmente estava falando estranho. Eu não falava desse jeito, sei disso. Eu me adaptei ao lobo e ao mundo ao seu redor rápido demais, deixando inconscientemente de lado minha antiga forma. Foi um pouco assustador pensar nisso como uma forma de alienação e submissão a eles mas... Como evitar? Eu simplesmente não conseguia ficar muito tempo distante dos mais estranhos e sem importância pensamentos-conspiratórios. Talvez eu só estivesse dando importância demais para algo desnecessário.

Quando decidi voltar para o castelo, um pouco perto do fim da tarde, ainda cheia de pensamentos do tipo estou-me-tornando-uma-alienada, o céu ainda não dava muitos sinais de estar escurecendo. Me senti inválida. Presa. Uma marionete. Eu vinha afastando esses tipos de pensamentos a um tempo. Tentando confronta-los e mostrar que eu ainda estava no total controle da minha vida. Mas não era verdade. Não totalmente.

- Posso ver que o dia foi cheio.

Quando cheguei no castelo foi Herobrine quem me recebeu, de tocaia ao lado do portão, na parte de dentro do castelo. Algo me dizia em uma certeza óbvia que ele seria meu fiel sentinela. Pelo menos dentro do enorme lugar. Não que eu não gostasse da sua companhia, mas se ele começasse a me seguir e vigiar por todos os cantos, teríamos problemas. E problemas sérios.

- Grandes avanços? - Ele tentou novamente, dois lances de escadas cansativas depois. Eu não havia me importado de responde-lo antes, focada demais em me lembrar da forma exata na qual eu me comportava antes; o que também não tem muito tempo. E então franzi a testa, não entendo. Como ele poderia saber o que eu estava fazendo?

- Explique.

- Na sua investigação.

Mesmo andando em minha frente, não foi nada difícil perceber que ele prendia uma risada. Seus ombros até curvaram-se um pouco para frente.
Por um momento eu parei e me obriguei a pensar. Demorou alguns minutos de caminhada silenciosa até eu entender o que estava acontecendo, e foi o suficiente para eu não sentir nada. Só um pouco de raiva, mas minha cabeça estava ocupada demais processando uma trivialidade aparentemente sem importância.

Mas eu sabia qual era sua intenção com isso. Só poderia ser uma: me humilhar. A partir dali, meu fracasso seria motivo de chacota. Ele estava me pressionando. Se eu falhar, como todos já esperam de uma mulher, serei à mais nova piada de toda a alcatéia. Que venham os aplausos para a forma de pensar daquele cretino.

Meu rosto endureceu ao pensar que o Lobo armou aquilo tudo propositalmente. E eu sabia muito bem o motivo que desencadeou tal reação, ou pelo menos poderia imaginar qual fosse.

- Quantos estão sabendo disso?

Ele desacelerou um pouquinho, parecendo pensar, quase levando a mão para esfregar na barba loira e rala rala que estava nascendo. Devia estar orgulhoso daqueles pelos na cara. Nem tentou dissimular ou fingir não saber do que eu estava falando, também.

idOnde histórias criam vida. Descubra agora