Capítulo 3

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Dedicado:

Andreian69

Velini

Sherlley

apna01

Passavam das vinte e duas horas quando por fim cheguei a casa.
   A luz da entrada estava acessa, sinal que Gonçalo já chegara. Depositei a chave num vaso de cerâmica vermelho feito pelo Renato, desviei meu olhar rapidamente das rosas pintadas com maestria por ele.
- Olá! - Acompanhando o som da minha voz, meu irmão mais velho fechou rapidamente o seu velho portátil de investigações. - Tudo bem consigo?
   Ele estava um pouco sem cor. Há muito tempo não o via tão transtornado. Nem mesmo quando realizava os últimos trabalhos para a faculdade.
Gonçalo estava aflito. E de um segundo para outro entendi o motivo.
- É sobre o Renato?
Uma ligeira sombra de medo cruzou seu rosto.
- Não tive muita sorte, Lili. - Gonçalo cruzou os braço ainda encarando o computador prateado em seu colo. - Tentei entrar em contato com o Renato, contudo fui informado que ele já tem um advogado que está a tratar do seu caso. - Com descuido passou a mão pelos cabelos lisos. Gonçalo era totalmente o meu oposto, quando andávamos juntos ninguém sequer pensaria na possibilidade de sermos irmãos. A cor de sua pele, bem como o azul claro em seus olhos foram heranças deixadas por nosso pai. O que tinha em comum com o homem que dera-me a vida era apenas o sangue, nada mais. - O processo está a correr muito depressa, Lili. Soube por outro, que amanhã darão início ao julgamento. E isto pegou-me desprovido. Não estava a espera que isto acontecesse de um dia para outro.
Sentei no sofá ao seu lado. Não sabia como reagir diante daqueles fatos.
- Por qual razão ele não nos quer perto dele neste momento? - Perguntei vendo inúmeros papéis sobre o centro da mesa. Rabiscos, informações, números de telemóveis e outras coisas estavam jogadas sobre o móvel de forma descuidada.
- Nao sei. - Suspirou alto. - Também não consegui encontrar-me com o homem que falei que poderia salvar o Renato desta situação. Ele não apareceu no meu primeiro dia em seu programa. Nada está a funcionar, Ilídia.
- O que estavas a ler quando cheguei? - Inquiri a tocar no notebook. Não houve resposta, portanto apanhei com certa luta o portátil.
- Ilídia!
A tela escura deu lugar a uma página de um jornal muito antigo que já não existia mais.
" O massacre que ocorreu ontem em Bueu deixou toda a região em choque.
Na noite passada uma das mais ricas e empoderadas famílias da Espanha foi acometida por uma cruel infelicidade. O majestoso império construído por Murillo Queiroz, Ceo e dono do empreendimento de cerâmica mais cobiçado da Europa ruía. A decadência havia começado há um par de anos quando a gestão de sua empresa passou por uma rutura de funcionários e transições de uma nova presidência que não gerou bons resultados. Com a má fase, a empresa passou pela queda de produção gerando assim a demissão de operários efetivados há anos. O caos estava por toda a empresa. Ex-funcionários insatisfeitos fizeram protestos contra a sociedade de Murillo, estes também não ocasionaram grandes frutos tendo em vista que a entidade estava mesmo a falir. Muitos operários ficaram sem seus direitos. Esta comoção causou um grande impacto em toda Bueu, afinal este empreendimento era um dos maiores geradores de renda, trabalho para aquela população. Fontes seguras chegaram a afirmar que Murillo era um dos Ceos envolvidos na produção e distribuição de maconha de modo ilegal por todo o país. Outros alegam que o Ceo tinha uma dívida enorme com russos, Mafia Negra. Contudo, as perguntas são inúmeras e poucas são as respostas.  
   Na noite de vinte e cinco de outubro de mil novecentos e noventa e cinco, Murillo e Renata Queiroz foram alvejados em sua propriedade privada, deixando dois filhos. Renato Queiroz (8), Miranda Queiroz (12).
Nossas condolências."
Segurava com força as laterais do portátil.
- Não tinhas o conhecimento disto. Pois, não?
Neguei com a cabeça.
     Relendo novamente a matéria, relembrei-me do Renato quando nos conhecemos numa manhã ensolarada no Taberna há cinco anos. Apercebi-me que ele era um dos vários turistas que passavam por nossa região naquele período de verão. Renato contou-me que gostou do ar de Salvaterra e que estava a procura de um motivo para ficar.
Ele ficou.
Depois de algumas semanas voltei a encontrá-lo no mesmo café.
     Algumas situações impostas pela vida aproximaram-nos. A cada novo dia ansiava pelo momento que voltaria a vê-lo. Tomava café com frequência no El Cielo na espera que ele aparecesse com seu doce sorriso.
     Amá-lo foi fácil. Renato sempre fora atencioso, amoroso, estava ao meu lado mesmo quando pensei que já não havia motivos para continuar a viver.
      Quando perguntava por seu passado, meu noivo não se expressava bem. Tinha dificuldade em falar sobre seus pais, dizia que os perdeu muito novo. Que sentia imensas saudades dos seus entes. Todavia, nunca falou que pertenceu a uma das linhagens mais nobre do nosso país, muito menos que tinha uma irmã.
- O dom dele em criar peças em cerâmicas... - As imagens das suas belíssimas criações ficaram por um bom momento fixado em minhas pálpebras. Renato era um excelente artesão. Suas peças eram vendidas em demasia para os turistas e moradores da nossa cidade. Ele era espetacular naquilo que fazia, eu era uma das suas admiradoras. - Não consigo assimilar tudo isto.
Gonçalo voltou a apanhar o computador.
- Há muitas informações desconexas. Estou a tentar perceber quem é o Renato desde o minutos que me deparei com este escrito.
- Ele não mudou o nome...
- Como?
- Renato não fez questão de mudar seu nome, Gonçalo. Se tu fosses um foragido da polícia Espanhola, o que farias em primeiro lugar?
Gonçalo coçou a cabeça pensando naquilo que estava a querer dizer.
- Por qual razão ele continuou a usar seu nome verdadeiro? - Esta era apenas uma das inúmeras perguntas a circular em minha cabeça.
- Por que ele não falou sobre seus pais, sobre sua verdadeira identidade, sobre esta irmã dantes desconhecida, Lili?
Levantei num impulso.
- Estavas noiva de um homem altamente desconhecido.
     Fixei o olhar numa flor esmagada por seus espinhos gravadas no pescoço do meu irmão. Uma das inúmeras tatuagens em seu corpo, contudo a mais chamativa.
- Não acreditas mais no Renato?
Gonçalo ficou em pé.
- Não quero que te magoes, Lili. - Suas mãos tocaram meus ombros decaídos. - A verdade pode ser dolorosa. Talvez o Renato que conheces seja apenas uma ilusão.
Como o homem que amei por cinco anos tornou-se um desconhecido em apenas cinco minutos?
- Ele nunca chegou a contar-te como perdera os pais? - Gonçalo tornou a perguntar.
- Não.
    Pensei num menino de oito anos que brutalmente tinha sido arrancado dos seus pais queridos. Fiquei arrepiada. Ninguém gostaria de narrar tal história de terror.
- Nunca citou a Miranda?
Não foi preciso lutar contra a memória.
- Não.
- Tem a certeza que conheces o Renato Queiroz?
Suspirei com uma pontada no coração.
- Não.
    Gonçalo abraçou-me fortemente. Nenhuma lágrima sequer caiu dos meus olhos, estava de toda petrificada.
Reunindo forças caminhei para meu quarto.
Ouvi Gonçalo sussurrar qualquer coisa que não percebi.
Ao entrar no quarto, abri uma das gavetas do armário.
"Renato Queiroz, você está preso por posse ilegal de arma. Bem como por ser um dos principais elementos envolvidos na morte de Estela e Pedro Dias."
Em seco engoli a cápsula do dia.

Sob Juramento [PT-PT]  Disponível Até 24/05 SEM REVISÃO Onde histórias criam vida. Descubra agora