Capítulo 16

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        O tempo parecia ter parado dentro do escritório particular do Romero. Seus olhos claros estavam a perscrutar se havia verdade na pequena e temida confissão que acabará de ser proferida por meus lábios trêmulos.

— Não foi da maneira que estás a pensar. — A julgar por a expressão em seu rosto soube que possívelmente ele já tinha chegado a conclusão, como a maioria das pessoas, de como aquilo me tinha acontecido. — Não foi através de um companheiro.

E a verdade ainda que conhecida há muito, desceu novamente sobre mim como uma tsunami que devastava todo o meu íntimo deixando para trás destroços que de fato nunca consegui restaurar.

— Se minha mãe tivesse feito o tratamento com antirretrovirais durante a gestação talvez tivesse tido uma pequena sorte de não ter sido contemplada com o vírus HIV. — As palavras envelopadas em algures há tanto tempo estavam a causar uma sensação de amargor em minha boca. — Aos dez anos de idade descobrir o real motivo de tomar uma pílula demasiadamente forte todos os dias antes de dormir. Apercebi-me o motivo da minha Abuela ter um infarto todas às veze que magoava-me com algo. Na altura do verão, sentava na casa da árvore vendo as outras crianças correndo, ralando seus joelhos ou cotovelos em divertidas corridas que resultavam em sorrisos e gritarias eufóricas. Tinha sido advertida com severidade a não participar de brincadeira que pudessem causar lesões, algo totalmente fora do comum para uma criança. Magoados, arranhões faziam parte da melhor fase da vida de uma criança que gostava de explorar cada nova descoberta. Não. Aqueles passatempos não fariam parte da minha vida. Não fui uma criança normal. Tentando proteger-me, a Abuela criou uma redoma imperfurável a minha volta. Só entendi o real motivo daquela proteção no final de uma tarde de primavera, quando desvaneci-me da linha rígida de seu abrigo. Saí escondida da casa da árvore, juntei-me a um grupo de meninas que estavam a saltar a corda. Tudo estava a correr bem, tão bem que mal consegui entender a razão de um segundo depois de um salto perfeito está no chão. Sangue carmesim manchava a blusa rosa clara que vestia. Um segundo depois minha avó estava ao meu lado, gritando por meu nome e chorando. Eu não percebia seu choro compulsivo e seu pedido gritante para as garotas se afastarem. Era como estivesse contaminada por um veneno tóxico. Se elas não corressem, morreriam em segundos ao pé de mim. Foi naquela primavera cheia de cores que o meu mundo tornou-se acinzentado. Na fase que deveria está enamorada pelas brincadeiras e sorrisos, descobri que tinha sido infectada por um vírus que faria parte de toda a minha vida através de um dos atos mais belos da vida, do parto. Transmissão vertical, foi o termo que a Abuela usou para designar como a tramisssão havia passado de mãe para filha.

Raios de sol iluminavam os veios de madeira no assoalho brilhante que agora chamava toda a minha atenção.

— Eu sin...

— Se faz o favor, não. — Queria eximir este pedido vindo das poucas pessoas que sabiam da minha situação. Custei imenso tempo para acreditar que aquilo que tinha herdado da minha mãe não era uma maldição. Que poderia ser como qualquer outra mulher. Que minhas chances comparadas com as demais não eram nulas. Que o resultado nas linhas de uma análise que comprometeria os meus planos para o futuro quando ainda não tinha o conhecimento daquilo que os demais chamavam de soropositividade não colocaria um ponto final na minha história. — Estou bem, Romero.

Os flashes dos nossos beijos sondaram-me a memória. Ao contrário daquilo que boa parte das pessoas acreditam, o HIV não é transmitido pela saliva, um mito que povoa o mundo há muito tempo. Os fluídos corporais que transmitem HIV são apenas sangue, sêmen, secreções vaginais e o leite materno.

— Devido ao tratamento de anos, minha carga viral é indetectável. — Não conseguia perceber o motivo de está a contar-lhe aquele pormenor que não faria diferença alguma na vida do homem que estava a olhar-me de um modo ininteligível. Contudo naquele momento, sentia-me como estivesse novamente em minha redoma favorecida de segurança. Mesmo que tal sentimento fosse ilusório.

Sob Juramento [PT-PT]  Disponível Até 24/05 SEM REVISÃO Onde histórias criam vida. Descubra agora