Capítulo 23

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Capítulo de sábado 💜

— O ar de Salvaterra continua tão glacial como há sete anos. Algumas coisas não mudam nunca. — Miranda recolheu a mão cravejada com anéis em pedras preciosas quando não cumprimentei-lhe. — Não senti saudades desta terra.

Sentia-me de toda enojada com a confissão que acabara de percorrer para fora dos lábios pintados da irmã do Renato.

Em desalinho, as poucas informações que sabia sobre meu ex noivo e o fático fim dos Queiroz percorreu minha mente numa correria desenfreada e dolorosa. Seus pais haviam sido alvejados em um massacre há mais de vinte anos. Algo que Renato nunca partilhou comigo.

— Onde está a Melina? — Toda a tranquilidade que emanava do Romero há alguns minutos havia evaporado. Restava agora apenas um homem atormentado e ligeiramente alterado a minha frente. — Como fostes capaz de levá-la para longe sem o meu consentimento, Miranda?

Melina, seria ela a sua filha?

— Não acredito que não tomaste nenhuma atitude quanto a salvaguadar o seu melhor amigo. Sinceramente, magoaste-me, Cassiano. — Miranda desfilou pelo escritório conferindo a fotografia da miúda que tinha o mesmo sorriso que o seu. Ela não o respondeu. — Tive que abdicar de um projeto particular e regressar a esta terra amaldiçoada afim de usar dos meus conhecimentos na advocacia para libertar Renato das injúrias que procedem contra ele na justiça. Sabes que o Renato seria incapaz de tocar sequer na Estela, quanto mais tirar-lhe a vida.

— Jamais defenderia o assassino da Estela.

Decidida a recolher o pouco do bom senso que ainda restava, dei um passo para trás, contudo foi interrompida antes de seguir em frente.

— Mas, dormiu com a noiva dele. — Quase engasgou em seu próprio veneno. — És contráditório, Cassiano.

— Acabamos. — Minha voz alterada chamou toda a a atenção da Miranda. — Ele acabou tudo que havia entre nós, não que o mereças saber. — Sendo alimentada por uma cólera que desconhecia, comecei a colocar tudo que estava engasgado para fora. Numa torrente de raiva e tristeza. — Conhecestes a história real que havia por trás do pano fúnebre que cobria a fachada do casamento da Estela?

Não estava a olhar para o Romero. Não queria fazê-lo. Suportar a ideia que ele teria escondido uma mulher e uma filha era demasiado para assimilar agora. Estava começando a sentir os efeitos da desilução cavar a fundo meu coração magoado.

— Onde estava a tua sororidade quando sabias a situação da mulher pelo qual o seu irmão era apaixonado?

O fantasma do passado assombrou o olhar da Miranda.

— Está a referir-se ao quê, Ilídia? — Ao de longe escutei a voz do Romero, em anestesia.

— Sabias que o Renato amava-lhe tão certo como sabias que o Pedro era um abusador que detinha a vida da Estela em suas mãos. Por qual razão não fizestes nada?

Aquela mulher não devia-me nenhuma satisfação. Não tinha a certeza se ela sabia realmente sobre os maus-tratos que Estela vivia, todavia sentia o desejo de entender de uma vez por toda tudo que aconteceu entre os Queiroz e Romero.

— Uma mulher que faz sexo com um homem casado não tem direito algum em falar em sororidade. — Seu dedo estava em riste. — Vejo que Renato cometeu mais um erro severo ao escolher alguém como você para chamar de noiva.

— Não tenciones falar desta forma com a Ilídia outra vez, Miranda. — Romero posicionou entre nós as duas. — O nosso casamento foi anulado. Já não és minha esposa há sete anos, desde o momento que fugiste levando a melhor parte da minha vida consigo. Não ofereceste a oportunidade de despedir-me da Melina, levaste-a para longe como tivestes a esgueirar-se de um criminoso. Tornaste a minha vida um inferno. Procurei por ela durante todo este tempo, nunca soube seu real paradeiro. — Rancor estava a submergir sua voz. — Não tinhas o direito de separar-nos. Melina não tinha que passar por mais este infortúnio. Então, não. Deixastes de ser minha esposa há muito, Miranda. Quem está comigo não lhe diz a respeito.

— Melina não é sua filha. — Grito em histéria veio do outro lado do escritório.

— Amo-lhe como tal. — Romero vociferou. — Quem embalou seus choros em noites ininterruptas, fui eu. Quem esteve na sua primeira apresentação escolar para pais, fui eu. Quem esteve ao seu lado quando seu primeiro insuficiente em matemática veio, fui eu. Não me venhas com isto agora, Miranda. Sempre fui o pai da Melina.

Não estava a perceber nada daquilo que eles estavam a falar em código.

— Ela está melhor longe daqui.

Dando um passo a mais para trás, resolvi saí daquela sala tóxica.

— Ilídia. — Ouvi Romero chamar. Não parei, continuei a andar apressadamente pelo saguão silencioso.

Havia um oceano de desentendimento entre Miranda e Romero. Não queria fazer parte daquele ciclo de desastres viciosos, muito menos da linha de união em deterioração que cercava os Queiroz e  consequentemente Romero.

Tentei segurar a ânsia de decepção e choro que corroía-me por dentro.

És uma grande sortuda, Ilídia.

Fechei a porta da sala com uma força fora do normal. Quando apercebi-me que não apenas Gonçalo, mas uma mulher desconhecida fitava-me com apreensão dei conta do meu erro.

— Lili, esta é a Nina. — Meu meio irmão estava a olhar-me como se soubesse que não estava bem.

— Gonçalo fala imenso de ti. É um prazer conhecê-la. — Daquela vez, aceitei o estender de mão. — Faço parte do projeto de jovens advogados. Seu irmão tem sido um grande amigo neste programa.

— Fique à vontade, Nina. — Papéis, ficheiros e computadores estavam a preencher toda a mesa em madeira. — Estás em boa companhia.

Nina corou do alto das maças do seu rosto até a raiz dos seus fios de cabelo castanho claro.

— Boa noite para vocês.

Gonçalo semicerrou as negras sobrancelhas quando passei por ele indo em direção as portas do fundo que levava até ao jardim de inverno que um dia pertenceu a Abuela.

O céu estrelado contrastava com a pequena casa de árvore no meio dos enormes pinheiros.  Subi o primeiro degrau, tendo o cuidado de certificar-me que a madeira não tinha sido comprometida pelos temporais.

Deitei no chão forrado com um tapete confecionado pela Abuela quando ainda era uma menina.

Senti uma ligeira pontada no lado esquerdo do peito.

Decepções tinham feito parte da minha vida desde a infância. Entretanto esta noite sentia-me diferente. A dor que tentei disfarçar na presença do Romero e de sua ex companheira, sufocou-me quando tornei a ficar sozinha.

Um tormento inesperado contornou todo meu coração angustiado.

Melina.

Para além disso, sentia que aquilo que aconteceu no passado não ficou bem resolvido entre eles.

Estava a começar a envolver-me com alguém que ainda não esquecera de fato o seu passado.

Não tens sorte no amor, Ilídia.

Uma coberta quente repousou sobre meu corpo trêmulo devido ao frio intenso que abrangia toda a região naquela noite. Abri os olhos para deparar-me com uma lua crescente a iluminar a pequena casa de árvore em sintonia com olhos claros em desespero.

— Nunca pensei em estar numa casa como esta um dia. — Romero assegurou-me de ficar arrefecida diante do vento que rodopiava por dentro da habitação amadeirada com aberturas devidas as inúmeras chuvas de granizos dos últimos anos. — Precisamos conversar, Ilídia.

Queridas leitoras,
Obrigada pelos votos e comentários no capítulo anterior.
Bom final de semana. 😍

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