Dedicado:
Capítulo surpresa - É feriado cá em Portugal 🌻
"Contigo, será tudo."
Enquanto caminhava pelo corredor amontoado por pacientes a espera de um atendimento que tardava a chegar pensei nas promessas que foram bruscamentes quebradas no percurso dos meus vinte e oito anos, desde o dia em que nasci.
Inalei bruscamente ao chegar numa pequena saleta para recolha de sangue.
- Podes sentar um pouco, Marques. - Em uma costura infantil e desarrumada o nome da enfermeira Aurora estava estampado em seu jaleco num tom amarelado pelo uso excessivo de lixívia.
Uma dor de cabeça pulsante estava a causar-me enjoos e dores intensas nas têmporas, por um segundo pensei que entregaria os pontos e desfaleceria sobre a poltrona que já acomodara mais pessoas que o recomendado.
- Estás bem?
Diante de tudo que presenciei hoje era impossível ficar bem. Fechei os olhos brevemente, Óscar estava a sangrar compulsivamente. Sua voz calma não passava de um mero sussurro ao dizer que tudo ficaria bem. Um tremor involuntário percorreu toda minha espinha ao escutar o som abafado dos tiros, do som do corpo do Óscar bater de encontro com o piso em concreto, da sua prece silenciosa misturar-se com meu choro em desespero. De embalar um homem moribundo enquanto seu sangue quente se fundia em minha pele, Óscar estava a morrer.
- Quando tiver mais informações sobre o seu amigo, prometo que serás a primeira a saber. - Aurora não sabia que para além de mim, Óscar não tinha mais ninguém. - Já agora, vamos falar de si.
Ela apanhou uma espécie de livro que continha minhas informações médicas.
- Sua carga viral permanece indetectável. Isto é algo muito bom de testemunhar. - Adotando uma postura de sutileza que não esperava, sorriu. Percebendo que não reagia a conversa, a enfermeira apanhou alguns cápsulas em vidro para a coleta de sangue enquanto verificava minha linha cronológica médica. Seu olhar cuidadoso se prendeu entre uma linha em questão, sabia aonde ela havia chegado. Senti minúsculos pedaços de vidros perfurar-me a pele, indo de encontro com a minha alma.
O quanto um coração poderia ser retalhado e ainda continua a bater?
- Depois desse período voltastes a conversar com alguém?
Abanei a cabeça impossibilitada de pronunciar qualquer palavra.
- Eu sinto muito, querida. - Uma mão acolhedora repousou sobre a minha.
Há alguns anos fui devastada por uma dor que assolou meu coração por inteiro. Por vezes perguntava-me se era a única pessoa a ser agraciada com tanto pesar. Sempre escutei que deveríamos procurar por bênçãos escondidas nos tempos difíceis, contudo custava-me acreditar que encontraria tais dádivas.
- Voltastes a tentar...
- Eu não quero falar sobre este assunto hoje, perdão. - Interrompi-lhe.
- Tudo bem. - Acompanhei o curso da caneta a preencher algo em meu formulário. - A doutora Madalena é uma das nossas ginecologistas obstetras, ela faz parte da equipa deste hospital, entretanto tem um consultório privado. Nas quintas, ela oferece consultas e está aberta a um pequeno público para ceder informações sobre sua nova pesquisa sobre gestação e o HIV. - Sua voz estava a ficar cada vez mais esperançosa. - Ela é uma excelente médica. - Se as pessoas que julgam tanto este assunto procurarem saber das informações verídicas, estaríamos livre de tanta dose de preconceito. - Estava a tentar melhorar meu humor com sua conversação animada sobre um assunto que poucos gostavam de falar. - Acho que gostarias de conhecer a doutora Madalena.
Aurora fez todo o processo de recolha cedendo-me uma atenção que jamais encontrei nos serviços de saúde pelos quais passei. Ela era de toda diferente.
- Aqui tens informações sobre a ginecologista que mencionei. - Um cartão foi depositado em minhas mãos com um pequeno aperto.
Naquele dia eu não sabia o quão importante aquela enfermeira se tornaria em minha vida.
⏳
Ao voltar para a sala de espera pensei que meu corpo dopado pelo medo e cansaço estivesse a projetar uma visão imaginária.
Entre pacientes e familiares em espera, estava Romero a conversar com um Gonçalo irrequieto. Ele não conseguia disfarçar o quanto os acontecimentos daquela noite o abalaram. Foi ele que encontrou-me a segurar o Óscar a sangrar. Gonçalo tinha a certeza que eu tinha levado um tiro, vi o desespero açoitar meu irmão naquela noite. Ele apenas respirou tranquilamente quando uma enfermeira gritou-lhe que eu estava bem, que não precisava de atendimento médico. Todavia, ele foi além. Só tornou a ficar em paz quando encaminharam-me para a triagem.
- Ilídia. - Romero passou seus braços em volta do meu corpo fragilizado. E como numa canção de ninar repetiu que estava tudo bem ao meu pé do ouvido. - Cuidarei dela, Carvalho.
Antes de ir embora, Gonçalo sussurrou-me um "Eu amo-te."
- Podemos ficar aqui até a cirurgia do Óscar terminar? - Indaguei sentindo seu coração.
- Tudo que quiseres, Ilídia. - Inalei as notas forte do seu perfume que trazia calmaria para minha alma em agonia. - À propósito, feliz cumpleaños, pasión. - Ele segurou-me tão forte. - Es el sol.
Repetiu a frase que a Abuela citava todas ás vezes que estava perdida em meus destroços, levando-me a acreditar que poderia vencer tudo.
Romero continuou a segurar-me, juntando os meus fragmentos partidos.
Talvez este fosse o momento de receber as bênçãos resultadas de uma vida de pesar.
Enquanto Cassiano Romero estivesse a segurar-me sentia o poder da frase da Abuela se tornar real.
"Es el sol, Ilídia."
Você sabia....
Gravidez e amamentação
A mulher infectada pelo HIV pode passar o vírus para o feto na gravidez, no parto ou durante a amamentação, se não fizer a prevenção da transmissão vertical - da mãe para o filho. Existem medicamentos que podem reduzir a 1% o risco de transmissão do vírus. O exame de sangue e o controle pré-natal desde o começo da gravidez são importantes para proteger o bebê.
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Sob Juramento [PT-PT] Disponível Até 24/05 SEM REVISÃO
ChickLitA taxista Ilídia Marques tinha tudo planeado na sua vida. Estava prestes a se casar com o homem que acreditava ser o amor da sua vida, contudo ela não estava a espera que o destino mudasse o seu caminho justo no dia do seu casamento. No altar, I...