Onze - No Sótão

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Capitulo Onze — No Sótão

Cheguei em minha casa minutos depois, encontrando o motorista na frente, saindo do carro com algumas sacolas na mão, provavelmente as compras que a governanta fazia todo fim de semana. O cumprimentei e entrei, me deparando com minha mãe e Samuel no sofá.

Estranhei o Samuel em minha casa, ele só ia lá quando ia resolver algum problema jurídico ou assunto pendente com minha mãe, nunca estava ali atoa, se bem que por aqueles tempos tinha estado em minha casa mais que o esperado. E então me lembrei do meu vídeo:

— E o vídeo? — indaguei.

— Tem vinte e quatro horas para sair do ar e quem o compartilhar será devidamente punido — disse-me e corri para abraça-lo. Eu estava muito feliz por saber que aquele vídeo não seria visto por mais ninguém. Por impulso, corri e liguei para o Caio. Quando estava no segundo toque, lembrei de nossa briga, então desliguei.

— Por que não pede desculpa? — perguntou minha mãe. — Vocês dois são tão fofos para ficarem brigados.

— Não estou errada mãe, e não vou pedir desculpas. Vou pro meu quarto, com licença. — Eu sabia que estava mentindo para ela, eu ia pedir desculpas, só estava procurando o momento certo, a hora certa com palavras certas. Era bem difícil ter tudo isso na cabeça, precisava ter calma e colocar tudo em seu devido lugar, depois correria atrás das soluções dos meus problemas.

No meu quarto eu esperei a noite chegar deitada, sequer saí para jantar, precisava ficar sozinha, meditar sobre tudo o que acontecia comigo, tudo que eu estava prestes a fazer e então pensei em ir ao sótão, não existia lugar melhor naquela casa para eu pensar. E logo após tomar um banho e vestir o pijama — que era apenas uma camisa bem grande do meu pai, que eu cuidava como se fosse minha vida —, fui.

Ao chegar, não acendi o abajur ou a lâmpada do local, deixei apenas a fresta de luz que entrava pela pequena janela de vidro atrás de mim e iluminava uma foto de meu pai sorrindo na frente de uma grande montanha de gelo e em baixo da foto tinha o pequeno letreiro:

Groelândia, melhor lugar de todos! Julho, 1992.

Tentei esquecer a foto e fixei o olhar no teto, me deitei no chão, não liguei se estava sujo ou não, só queria um momento para chorar sozinha e pensar um pouco, o que eu deveria fazer? Era uma questão tão complexa! Se eu falasse sobre o aborto para a minha avó paterna ela diria que somos movidos pelas escolhas, sejam elas boas ou ruins, e isso só iriamos descobrir no futuro, porém se eu falasse isso para a minha avó materna, ela iria me encher de versículos bíblicos dizendo que a vida só é dada e só é tirada pelo Senhor do Universo, no caso, Deus. A religião não iria conseguir me dar uma resposta concreta, como poderia resolver isso? A lei me proibia de abortar, mas, haviam clínicas clandestinas para isso, por que era tão difícil? Creio que a resposta não venha de religião, vontade própria ou até mesmo a lei, acho que seja amor.

Eu não amaria essa criança em nenhum momento de minha vida, nada me faria ter um sentimento por ela, então, por que continuar com essa farsa? Por que tentar me obrigar a ter algo que eu simplesmente não queria? Eu não era uma criança que precisa comer e acabam enfiando a comida goela abaixo nela, eu era apenas uma adolescente indecisa, uma adolescente que ainda não era madura suficiente para poder ter uma criança e até mesmo cuidar dela. Eu ainda era uma criança, não podia cuidar de outra.

Lembrei-me do Caio, de tudo o que possivelmente ele faria caso eu abortasse, ele também era movido pela religião, mas será que a religião resolve tudo? Não queria ser movida a religião, queria ser movida a escolhas, minhas escolhas. Escolhas e decisões próprias, não por um livro ou um homem que vem e me dita o que fazer e quando fazer. Não é a bíblia que diz que devemos fazer tudo aquilo que nos faz bem? Eu me sentiria bem quando abortasse, então, abortaria.

Meu Mais Perfeito Erro (concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora