Capítulo 17

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Quando Camila sentia dor não conseguia sentir pela metade, aquilo adentrava seus poros, revirava seus olhos e pesava seus ombros. Suas funções básicas paravam. Não se alimentava, não dormia e se quer tinha energia para deixar sua própria cama. Camila não era do tipo que produzia lágrimas e reclamações, muito menos vitimismo. Sabia que merecia cada dor existente em seu peito. Ser feliz é um privilégio que apenas os ingênuos têm.

- Kaki. - Sofia sussurrou ao pé da cama. - Você não vai me levar para a escola?

- Você pode pegar o escolar novamente? Estou me sentindo muito cansada. - Camila sussurrou imóvel em meio aos seus cobertores.

- Mas há uma semana você só dorme, você está tão cansada assim, Kaki? - Sofia perguntou se sentando ao lado da irmã.

- Sim, mas não se preocupe, amanhã te levarei até a escola. - sussurrou novamente.

- Mas você disse isso ontem e antes de ontem.

- Eu sei, mas dessa vez é sério, eu vou preparar o nosso jantar hoje. O que quer comer?

- Nós não podemos pedir pizza de novo?

- Nós pedimos pizza a semana inteira.

- Mas você não precisa fazer o jantar se está cansada. Pode ficar dormido que o moço que vem de moto faz a comida pra gente.

- Eu posso preparar alguma coisa. Você precisa de legumes e verduras. O que tem na geladeira para fazer o jantar?

- Algumas frutas e o resto das pizzas que pedimos.

- Preciso ir ao mercado hoje. Você vai se atrasar para o ônibus, é melhor ficar esperando na porta.

- Preciso de dinheiro para comprar o lanche.

- Pegue na minha carteira. - Camila se esforçou para apontar para sua bolsa. - Amanhã voltarei a fazer o seu lanche. Não é saudável comer fora todos os dias.

- Você está cansada, Kaki. Não precisa se preocupar com o meu lanche. - Sofia disse enquanto abria a carteira da irmã - Kaki, só tem notas de cem dólares aqui.

- Tudo bem, pegue. Pegue um dos meus cartões também, pegue o azul, caso não consiga trocar o dinheiro. Você sabe a senha, não sabe?

- Sim.

- Tome cuidado no caminho e não perca o meu cartão.

- Tudo bem, Kaki. Não fique tão triste, quando você melhorar dessa gripe vai voltar a fazer o jantar. - Sofia disse passando a mão nos cabelos da irmã.

- Você sabe que eu amo você, não sabe? - Camila sussurrou abrindo seus olhos para encarar a face tranquila da menor.

-Eu também te amo, Kaki. - Sofia disse antes de deixar um beijo na testa de sua irmã. Após isso deixou o quarto escuro de sua irmã para esperar o ônibus da escola.

Nós últimos dias Camila não se sentia nada além de inútil. Seu trabalho e Sofia eram as únicas coisas que a moviam. Agora nem mesmo Sofia conseguia tirá-la daquela cama. Camila se sentia menor que um verme.

Camila procurou seu maço de cigarros e seu isqueiro entre os lençóis e fumou um cigarro. Ao menos assim se sentiria preenchida por algo, mesmo que isso fosse fumaça em seus pulmões. Gostava dos cigarros porque eles tiravam seu estresse e também sua fome. Há dias substituía refeições por cigarros.

Camila refletia sobre o motivo pelo qual tirou a guarda de Sofia de seus pais. O fez pois julgava que a pessoa mais capacitada da família para criar um outro ser humano era ela.
Quanta prepotência. Riu de si mesma. Nos últimos dias não conseguia ao menos cuidar de si mesma. Não se lembrava da última vez que tomou um banho ou da última vez que escovou seus dentes. Camila se sentia imunda, mais que isso, se sentia desprezível.

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