Caminhando por esta longa avenida, lá vou eu e as minhas malas. Uma, um saco de equipamento, recheado de calçado e coisas que precisarei assim, a outra, uma mala de viagem, cheia de roupa que talvez até nem seja precisa. Indecisão será provavelmente a coisa que mais passou pela minha mente estas semanas. Todos esperando que eu siga um dos meus sonhos e eu querendo sempre seguir o outro.
Abro o pequeno portão da casa onde eu irei passar a maior parte do meu tempo. Foi renovada recentemente, mas é mais velha que eu, aliás, bem mais velha. Pelo contrário a minha é bem nova. Construída pelo suor dos meus pais há 5 anos, aquela casa na aldeia, tornou-se, sem dúvida o meu lar. Aqui a cidade não é propriamente o que sonhei para mim.
Os pequenos saltos das minhas botas fazem barulho no musaico da escadaria. Não me atreveria a fazer a viagem de regresso a casa neste momento. Não estaria de acordo com os meus princípios, com os meus hábitos. Reparem, até o dicionário de significados do nome comprova quando diz que as minhas maiores características são a OUSADIA, o ESPÍRITO COMPETITIVO, a INDEPENDÊNCIA, a FORÇA DE VONTADE e a ORIGINALIDADE.
Toquei à campainha enquanto a chuva picada batia na porta da sala de jantar que é, nada mais nada menos, que a porta de entrada. Esperei momentos até que a dona da casa me abriu a porta. Assim que consegui entrar e tive a sua ajuda para trazer as minhas malas para dentro, abracei a mulher de metro e meio contra o meu peito com a maior força que tinha.
Claro que dói deixar tudo para trás para realizar um dos meus sonhos e apenas um abraço conseguiria explicar tudo o que sinto de momento.
O abraço apesar de longo foi demasiado curto. É a falta de um que fala mais alto. Nunca fui uma pessoa de demonstrar muito os meus sentimentos, no entanto, estes dias tudo mudou. Quando percebi, a meio das férias, que iria ficar sem as pessoas a quem eu chamo de família, foi como se se fizesse um clique na minha cabeça. Comecei a valorizar bem mais. Nunca faltam beijinhos de boa noite e durante o dia, nunca mais faltam os amo-te’s que tanto tinha medo em demonstrar. Afinal, devemos viver cada dia como se fosse o último e se um dia eu realmente acertar, então não poderei mais sentir esses pequenos prazeres. Ver filmes em que as pessoas perdem pais, irmãos, tios, etc., só me fez entender melhor o quão amo os meus. Estarei com eles a cada último fim de semana de cada mês. Chega não chega? Não, antes pelo contrário, é bem pouco.
Eu acordava com a Cloe e íamos sempre juntas para a escola. Até porque o autocarro para a escola era o mesmo. Convivi muito com ela. Foram muitas conversas, cumplicidades e idiotices. Já o Benny é outra história não muito diferente. Benny foi o miúdo que vi crescer desde os meus 9 anos. Segurei-o no meu colo e prometi-lhe, um dia, que se eu tirasse a carta e tivesse um carro, ele seria o primeiro a andar comigo. Assegurei-lhe que estaria sempre ali, bem do seu lado, para o ajudar e proteger sempre.
Olhem para mim agora. Estou bem longe deles e não há muito que eu possa fazer. Aqui pouca gente me conhece e, para os que me conhecem, sou apenas a afilhada da Abbie Lopes. Vá, a minha ascendência é óbvia, o meu avô era português. Ai o meu avô é outra história que talvez conte um dia. O que importa agora é que não sou conhecida por mim, isto é, pelo que sou. Sempre lutei por ter uma boa reputação, fazer com que todos gostassem de mim e colecionar bons momentos com todos eles. Ajudava as minhas vizinhas sempre que precisavam e tornei-me porpular lá na aldeia. Toda a gente sabia o meu nome e quem eu era. Agora? Não sou mais ninguém.
Carreguei as minhas malas até ao pequeno quarto que agora seria meu. Isto não deve ter nem 10 metros quadrados e o cheiro a mofo é óbvio. As paredes são revestidas a uma fina tinta branca com várias manchas e falhas, devido à sua idade, e o chão é de mosaico mas coberto por muitos tapetes. O local está cheio de mobilia. Incrível ter uma cama, um roupeiro de 3 portas, 1 cómoda e uma arca no mesmo espaço. Todos eles de madeira velha, dão o ar rústico ao local que agora será o meu refugiu.
Sentei-me levemente no final da cama e percebi que o colchão é bem mais parecido com o meu do que eu pensava. Analisando melhor o quarto, reparo que o armário tem uma porta livre e a cómoda 2 gavetas. A minha roupa não é muita e alguma pode ficar na mala de viagem mesmo. Decidi retirar as coisas da mala que fiz há quase uma semana. Decidi deixar a roupa mais fresca e pijamas na mala, lá estarão bem guardados para quando este mau tempo passar.
Juro que não percebo este clima. Num dia chove imenso e inunda tudo, noutro está calor e o sol queima ferozmente. Será isso normal? Pois bem, aqui na cidade tem sido assim desde finais de agosto. Eu gosto de chuva, juro que gosto, mas sair de casa num dia ensolarado, de sandálias e vestido e no final do dia correr para casa por causa da chuva é algo que não está nos meu planos diários. Urgh, como eu odeio qualquer coisa do género. Sou alguém que adora planear as coisas, afinal, quem não gosta de ter tudo arranjadinho e a correr como esperado? Exatamente.
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Levei a pequena chávena de chá a boca saboreando melhor a camomila. As luzes preenchiam a cidade que, apesar da chuva, regressava a casa feliz por encontrar um lar quente e aconchegante. Ora bem, duas coisas que não tenho agora. Não me vou queixar mais. A minha avó até tem a sua casa bem arranjada e aconchegante para mim. Passei cá várias vezes duas semanas no verão. No entanto, hoje, parece-me que estou num sítio que não me pertence, que não é exatamente meu, entendem? Pois bem, é isso que se passa aqui.
“Precisas de mais alguma coisa Jul?” ouvi a voz fraca da minha avó que já se encontrava de robe à entrada do quarto.
“Não avó, obrigado.” Sorri e ela retirou-se de seguida. “Boa noite.” Disse.
“Boa noite.” Ela respondeu por último antes de fechar a porta atrás de si.
Ora bem, amanhã é o primeiro dia naquele sítio estranho a que todos chamam de Universidade. Não, esta não é a história de mais uma adolescente que entrou na universidade e conhece o seu príncipe. Bem, pelo menos é assim que eu quero que tudo aconteça. Eu, como é óbvio, só me consolo com música, mas não é ela que me trás futuro, são os meus estudos, o meu futuro emprego.
Amanhã é um grande dia. Muito está para vir. Não sei se, pela primeira vez, vou poder começar as aulas sem a minha mãe a dizer que tudo vai correr bem ou a acompanhar-me à escola. Amanhã vou ter de ir sozinha a um local que só visitei uma vez, para fazer a matricula. Naquele dia fui de carro, com a minha mãe. Amanhã vou a pé e acredito serem os 3 quilómetros mais custosos da minha vida. Nova escola, novo percurso, novas salas. Tudo hoje me parece um grande turbilhão que, só amanhã, se tornará mais fácil, talvez.
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The Girl behind the Mask ✗
Fiksi RemajaEscolhas. Talvez a coisa mais dura que fazemos na nossa vida. Eu fui uma escolha dos meus pais, e isso demonstra quanta responsabilidade cai sobre os ombros de quem escolhe. Estaria aqui a tentar explicar o porquê das escolhas serem tão duras, mas s...