Capítulo 11 ~ Revoltas

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“Sim, não é muito retardada mas ainda não é considerado cidade.” Informei de novo orgulhosa.

“E a tua família?”

“Não achas que já sabes demasiado de mim?” ele gargalhou. “Agora segues essa rua.” Indiquei assim que chegamos ao local onde ele me deixou da outra vez.

“Moras sozinha?”

“Não.” Admito. “Vivo com a minha avó materna.”

“Deve ser muito fixe.”

“Sim, mas prefiro a minha casa.” Sussurro.

“É muito diferente desta cidade?”

“Sim, Holmes Chapel é encantador.” Admiti e ele sorriu. “E tu, és daqui?”

“Sim, sou.” Advertiu. “Sou daqui desde que me conheço por gente.”

“Vira à esquerda.” Indiquei e ele assim o fez. “Agora à direita.”

“Mas tu vives mesmo longe.” Ele admira-se.

“Achas?” pergunto. “É aquela branca.” Apontei enquanto me agarrava melhor a ele.

“Por acaso é. Deves demorar muito a chegar desde o sítio do costume até aqui.” Deduziu.

“O pior é ser muito tarde.” Pausei. “Já venho.” Informei retirando o capacete. Peguei na minha chave e corri escadaria acima. Peguei na minha mochila e a minha avó acompanhou-me à porta.

“Quem é aquele rapaz?” ela comenta e vejo o rapaz arregaçar as mangas da camisa.

“É um amigo.” Digo e ele olha cá para cima.

“Olá dona...” ele tenta cumprimentar.

“Abbie.” Eu disse entre gargalhadas. Ouvi a minha avó chamar à atenção com um clarear da voz. Não sei porquê mas eu ri-me até me doer a barriga.

“Olá dona Abbie.” O meu amigo diz finalmente e sinto que até ele se está a rir. Antes que perguntem, sim sou afilhada da minha avó.

“Não achas que é muito tarde para andares com um sujeito destes na rua?” perguntou.

“Ele vai dar-me boleia para o autocarro.” Carranquei.

“Mesmo assim, ele é tão...” ela ia começar.

“Ele é meu amigo e acho que merece respeito.” Pedi e ela assentiu.

“Tu lá sabes.” Virou as costas e fechou-me a porta na cara. Encolhi os ombros e peguei na minha mochila andando até ao rapaz.

“Então?” Ele parecia preocupado.

“Nada de especial.”

“Sabes que ouvi a conversa não sabes?”

“E então?” suspirei fundo.

“Não precisavas de me defender.” O seu tom era sério.

“És meu amigo.” Digo e ele assente. Coloquei o capacete na cabeça e logo que me agarrei a mota arrancou. “Só agora descobri que a tua mota é vermelha e preta.” Reparo.

“A sério?” pergunta admirado.

“Sim. Do cimo das escadas via-se com mais luminosidade.” Ele estremeceu.

“O quê que viste mais?” a sua voz saiu com falhas.

“Nada de mais.” Pausei. “Pude só ver que os teus olhos brilhavam com a luz.”

“Ok.” Suspirou fundo.

“Qual era o problema de te ver?”

“Nenhum.”

“Então porque continuas a usar o capacete?”

“Lembras-te de eu dizer que as pessoas não me conheciam como eu realmente era?”

“Humhum.”

“Então... é como um desfarce. Perderia piada se tirasse.”

“Mas tu já me viste muitas vezes, eu nem por isso.”

“Prometo que verás em breve.”

“A sério?” Perguntei surpresa e meio que soei entusiasmada. Ele riu-se baixinho. “Ok, tentando de novo.” Pausei “A sério?” tentei que a minha voz saísse mais grave e ele gargalhou bem alto.

“Boa tentativa, Jul.” Tentava conter o riso e acabei por me rir também contra as suas costas. “E sim, é sério.”

“Quando?” Porra tenho de soar menos entusiasmada.

“Um dia destes.” Ele diz quase chegando ao destino.

“Horas...?” pedi.

“22:40” indicou assim que parou a mota.

“Obrigado pela boleia.” Passei-lhe o capacete que ele logo arrumou no local indicado.

“Não tens que agradecer. Ocupei demasiado o teu tempo.”

“Isso não é verdade.” Disse pegando na sua mão. “Obrigado mesmo.”

“Obrigado eu.” Ele apertou ligeiramente a minha mão.

“Então obrigado os dois?” sorri e ele solta um riso rouco.

“Sim.” Confirma. Juro que conseguia ver o seu sorriso por detrás daquele plástico preto.

Pouco depois fui comprar o bilhete e aguardar no cais. O rapaz da mota decidiu fazer-me companhia nesta minha espera. Sentei-me num dos bancos da estação e ele fez o mesmo, sentando-se do meu lado.

Instalou-se de novo um silêncio entre nós. O meu olhava caía em todo o lado menos no rapaz do meu lado. 1º porque não quero passar vergonhas, 2º porque até a luz do semáforo do outro lado da rua me parece mais indicado neste momento. Ok, está a ser constrangedor. Foi nesse momento que o meu olhar caiu sobre o placar das divulgações.

“Não acredito que vão continuar nisto” digo olhando um papel de umas lutas de boxe da zona afixadas no local para onde olhava.

“O quê?” Tenta procurar o local onde tenho o olhar fixo.

“O Boxe. Odeio.” reviro os olhos. Percebo que ele tem o olhar fixo em mim.

“Porquê?”

“Odeio luta. Acho muito deprimente. Pessoas a competir por dinheiro. Milhões de pessoas morrem assim estupidamente.”

“Acho que nem todas morrem disso.” Ele diz meio inseguro.

“Sabes quantas pessoas morrem só porque os obrigam a competir? Quantas pessoas não fazem falta a lutar pela nação? Em vez disso preferem ganhar dinheiro.” Ele nada disse. “Pensam que são todos snobs. Pensam ser superiores a todos os outros.”

“Nem sempre é assim!” ele meio que grita. “Pode ser só uma maneira de se protegerem.” Levantou-se repentinamente deixando-me admirada com a sua atitude. “Se discriminas as pessoas só porque lutam, então não te julgues melhores que elas!” foi a ultima coisa que ele disse antes de virar costas e sair dali.

A minha cabeça está a andar à roda. Ideias rebolam e rebolam na minha mente e não sei nem o que pensar. Gostava de poder entender o que se passa com ele, mas parece impossível. Não consigo digerir as suas palavras. De certo que me magoaram um pouco, mas a maneira como ele as proferiu fez com que se tornasse ainda mais difícil.

Quero só voltar para casa e ter paz. Quem sabe para a semana ele me conte melhor o que se passa com ele. Se ele sumir de novo, não me culparei. Antes pelo contrário. Até acharei injusto sair sem me explicar o porquê da sua revolta.

The Girl behind the Mask ✗Onde histórias criam vida. Descubra agora