Capítulo 3 ~ Idiota de mota

378 18 4
                                    

E lá passou uma semana nesta coisa a que chamam de adaptação. Odeio acordar às 6:30 para ir para a escola. Sim, essa tem sido a hora a que tenho acordado. O pior da universidade nem é mesmo isso, é o preço dos livros. Caros senhores do ministério, passo a informar que os meus pais não têm uma fábrica de dinheiro. Assim, gostava de dizer que livros a 150 euros é agressão à carteira dos meus pais.

Neste momento estou a caminho da escola. O caminho nem é assim tão mau e dá para pensar um pouco enquanto ando. A ida e a vinda fazem-me perder uma hora e meia do meu precioso dia, mas nestes dias tanto faz. Quando chego a casa não vejo ninguém mesmo. Chego às 15 e até às 18 estou sozinha em casa. Se gostava de ter mais companhia? Sim, de certo que sim.

De longe avistei, Jessica. Jessica é outra rapariga que conheci ao longo destes dias e que tem ido comigo às praxes. A miúda é bacana e tem-se mostrado uma boa amiga. Ela tem carro próprio, eu não. Então, ela dá-me boleia para ir às praxes. Eu, ela, a Leah e a Myriam formamos uma espécie de grupo. Sim, acho que me abri um pouco a novas amizades. Acham estranho? Não sou nenhum bicho do mato. Eu adoro falar com pessoas, conhecer pessoas. No entanto, apenas me dou a conhecer àqueles que me parecem ser verdadeiros.

“Bom dia” Jessica disse sorrindo.

“Bom dia, o que vamos ter agora?”

“Socioantropologia!” ela bufa.

“Vai ser uma diversão.” Comentei e ela riu-se.

Pela 10 vez tivemos de nos apresentar. Sabem o quão isso é irritante? Provavelmente não. Mas vá, não vamos ser pessimistas. Há pessoas na minha turma de, vamos relembrar, 60 alunos, com quem nunca falei e cujos nomes, idades e terras de onde vieram já decorei. No entanto, ouvir 10 vezes a mesma coisa é SECANTE! Tendo em conta que casa professor demora 2 horas para isto, perdi 20 horas da minha vida para nada. Não podia ter passado esse tempo a dormir?

Quando a professor(a) começa com a história do:

|

v

Meninos, quero que me digam o vosso nome completo, o nome pelo qual querem ser chamados, a idade, de onde vieram, em que opção escolheram enfermagem, porquê escolheram a universidade aqui e algum gosto pessoal ou hobbie.

Vocês sempre têm de responder do género:

Olá sou a Julianne Sophie Wolf, mas pode chamar-me só de Julianne e tenho 18 anos. Vim de Crewe e entrei em enfermagem como primeira opção. Escolhi Holmes Chapel por razões académicas. Gosto de música e toco piano desde os meus 7 anos.

(...)

20 horas. Anoiteceu há mais de 2 horas e eu tive de ficar a fazer um trabalho na biblioteca da universidade. Agora tenho de ir a pé, à chuva para casa. Boa, esta sou eu.

A chuva até é bastante intensa e o trânsito é pouco. As ruas estão escuras e ainda demoro uns 20 minutos para casa da minha avó. Eu gosto de chuva, juro que gosto. Só não gosto de ficar constipada e assim, entendem? Adoro estar na cama e ouvir a chuva a cair lá fora. Lá na terra, quando chove, apenas as gotas a embaterem no chão, janela, etc., se faz ouvir. Aqui ainda temos o barulho das ambulâncias, carros e outras coisas barulhentas que me irritam bastante.

Acelero um pouco o passo quando dou conta de uma luz atrás de mim. Parece-me uma mota mas não sei sequer quem é. Eu sou daquelas que nem sequer se vira para ver se conhece. Sou tipo como nos filmes, vejo alguém a abrandar perto e começo logo a acelerar o passo. Não por medo, apenas por hábito, talvez. Acontece tanta coisa à noite que até assusta.

“Então boneca, perdida?” ouço uma voz atrás de mim.

“Claro que sim. Tens GPS?” perguntei ao motoqueiro ironicamente e ele soltou uma gargalhada sarcástica.

“Muito inteligente, a menina.”

“Muito atrasado, o menino.”

“Estou a ver que não precisas e companhia.”

“Mas eu pedi alguma coisa?”

“Ui, é preciso ser rude?”

“É preciso seres idiota? Não, então estamos quites.”

“És brava assim todos os dias?” ele pergunta.

“Todos.” Respondo.

“Não queres uma boleia?”

“O meu instinto diz que não devo aceitar boleias de estranhos.”

“É um instinto no mínimo estanho.”

“Não. Tecnicamente és mesmo um estranho.”

“Pois, desculpa,” pausou “Sou o rapaz da mota.” Pude vê-lo sorrir por detrás do capacete. Rapaz da mota? Não será mais o idiota da mota?

“Muito prazer.” Disse revirando os olhos no final.

“Prazer comigo é só na cama.” Ele riu-se. “Vá, estou a brincar.”

“Que engraçado. Esqueci-me de rir.” Ironizei de novo.

“Ok, tu és mesmo irritante.”

“Somos dois.”

“Então eu vou andando.” Ele diz.

“Adeus.”

“Adeus?”

“Sim.” Resmunguei.

“E um aperto de mão?” perguntou.

“A sério?” olhei-o de lado e ele assentiu. Suspirei fundo e estendi-lhe a mão.

“Vês, não és assim tão durona.”

“Desde que me deixes em paz.” Avisei.

“Está a chover e tu andas sem guarda chuva, que espécie de rapariga és tu?”

“A espécie estúpida que fala com um idiota desconhecido na rua.” Bufei.

“Eu cá acho que não és bem assim. És diferente.”

“Não. Esta sou eu. Peço desculpa mas, Deus que foi Deus, não agradou a todos.”

“És católica?”

“Algo conta?” arqueei as sobrancelhas.

“Estranho para alguém como tu.” Pausou “Isso leva-me a querer que tenho razão!” olhou-me nos olhos. “É como se fosses diferente do que demonstras.”

“Bolas, tu és mesmo irritante.”

“Somos dois.” Ele usou as minhas palavras tentando fazer uma voz fina.

“Eu não falo assim.” Bufo de novo cruzando os braços. Depois daqueles cerca de 10 minutos à chuva a falar com este idiota, devo estar num estado interessante de se ver.

“Vou indo.” Ele diz assim que olha o relógio.

“Adeus!” disse de novo.

“Adeus.” Ele sorriu e acelerou dali para fora. Digo-vos que era um alivio saber que aquele gajo foi embora e que posso ir para casa em paz. Por outro lado, agora estou sozinha na rua e ainda estou mais atrasada e molhada que há 10 minutos. Bufei em frustração e refiz o meu caminho.

(...)

The Girl behind the Mask ✗Onde histórias criam vida. Descubra agora