Capítulo 14 ~ Abalo premonitório

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Acordei com o som da televisão na sala de jantar. Calcei as minhas pantufas e adivinhem qual era o canal. NOTICIAS. O meu telemóvel soa no quarto e eu atendo sem olhar.

“Sim?”

“Ó meu Deus!!” Ouço um guincho alto do outro lado e afasto o telemóvel da orelha.  Um palpite, aposto que é a Leah. Olho para o ecrã: “Leah”.  Confirmado.

“Calma!” eu digo e logo se seguida o telemóvel vibra de novo. No ecrã aparecia: Chamada de conferência. Mas será que elas não se cansam?

“Ó meu Deus, ó meu Deus” ouço do outro lado da linha

“Bom dia também para vocês.”

“Jul, estás nas noticias!” Myriam finalmente revela o motivo de histerismo. Corri de volta à sala de jantar onde a minha avó olhava chocada para a televisão.

“Julianne Sophie!” ela berra. “O quê que tu andaste a fazer?” Ó boa, já vou ouvir.

“Meninas, já falamos na escola!” digo e logo desligo a chamada.

Aparecia uma fotografia minha no momento em que estava a colocar gelo no braço do Harry. Ele tinha a cabeça baixa e eu estava ajoelhada na sua frente com o gelo na mão.

“Estava a ajudar o rapaz...”

“Ele é lutador. Não sabes o quanto a nossa família já sofreu por causa da violência?”

“Avó, eu ajudei o rapaz, isso não tem valor?”

“Não quando ele é assim!”

“Tens de parar de julgar todos os que me rodeiam. É impossível que odeies todos os rapazes com quem me familiarizo. “

“Pelo amor de Deus, Julianne!”

“Qual é o problema?”

“O problema és tu. Dás comigo em doida.”

“Se não fosse o dinheiro que gastaria num alojamento, eu de certeza que não estaria aqui para dar contigo em doida.” Quase grito e vou preparar-me para ir para a escola. Preciso mesmo de espairecer. Nada como uma boa caminhada para aliviar.

(...)

“Como estás?” perguntou Leah assim que a última aula terminou.

“Bem.” Respondo.

“Não, não estás.” Ela senta-se do meu lado.

“É por causa do lutador de boxe?” pausou “As outras contaram-me que ele te iria dedicar a derrota só porque não gosta de ti.”

“Ele é um idiota!”

“Mas tu gostas dele...”

“Não, não gosto.”

“Então, o quê se passa contigo?”

“sei lá.”

“É a pressão?”

“Podemos não falar disto?” pedi e ela assentiu.

Depois de me despedir do pessoal saí em direção à loja de música. Acho que isto é tudo saudade do piano. Preciso de sentir as pretas entre os meus dedos.

Assim que abri a porta o sininho atrás dela deu sinal da entrada. Do nada apareceu o meu amigo atrás do balcão.

“Estava a ver que nunca mais me vinhas visitar...” Ele sorri imensamente. Entrei e pausei a mochila num sofá que lá estava. Logo se seguir sento-me.

“Tenho tido muito trabalho.”

“Vi o teu salvamento na televisão.” Ele brinca e senta-se no sofá.

“Nem me fale disso.” Levei as mãos à cara.

“Sabes que falar com estranhos faz bem.” Ele relembra.

“Tem toda a razão, só não sei como falar.”

“Talvez um pouco de piano resolva.” Ele diz e assim o fiz. Toquei uma música qualquer que me veio à cabeça e logo me senti mais relaxada. As ideias não estão no sítio, mas pelo menos não pensei em nada enquanto estava de volta das notas. Após algum tempo naquilo decidi parar e sentar-me de novo no sofá.“Não sei porquê, mas continuo a achar que deves ter algum anjo dentro de ti.”

“Porquê?” perguntei sorrindo e ele pegou na minha mão.

“És tão parecida com a minha pianista. Só ela tocava com um anjo. Tu também tens esse anjo dentro de ti.” Pausou as minhas mãos no meu colo. “Agora conta-me o que tanto te aflige.”

“Preciso de um emprego.” Eu suspiro.

“Então e não arranjas nada?”

“Nada. Como sou estudante, nenhum horário é compatível.”

“Porquê que precisas de um trabalho?” pergunta.

“Eu só queria ajudar os meus pais a pagar ao menos as minhas despesas.”

“Entendo.” Olha-me sério. “E qual é o problema do salvamento de ontem?”

“Eu não queria aparecer. Não agora. Acabei por discutir com a minha avó. Ela é demasiado conservadora. Não gosta dos meus amigos e não achou piada ao boxer.

“Entendo-te. No entanto, acho que deverias deixar a poeira assentar com ela. Se é com ela que vives, como me parece, então deves manter-te mais calma em relação a isso. Ou então arranjas outro sítio onde ficar.”

“Não. Eu pelo natal já devo ter carta e depois posso ir a casa todos os dias.”

“Sim, é o melhor talvez. O tempo resolve tudo.” Um silêncio instalou-se.

“Depois há um rapaz....

“O de ontem?”

“Não. Esse é demasiado bipolar para mim. Há outro.”

“Que se passa?”

Em meia hora contei sobre o meu amigo ao velho. Ele escutou cada dúvida minha. Contei o quão angustiante é não ver a sua cara mas ele já saber tanto de mim. Contei das ajudas e dos apoios que recebi por parte dor rapaz da mota. Também falei das pequenas discussões e do quão eu viciei na presença do rapaz.

“Sabes, acho que alguém se apaixonou...” ele conclui.

“Eu não.”

“São perspetivas.” Ele sorri e eu sorrio de volta.

“Acho que é melhor ir então...” eu disse assim que reparei que já era escuro lá fora.

“Sim, é melhor.” Levantámo-nos e eu abracei o senhor. “Agora vê se tens calma. Nada melhor que  o tempo para resolver esses assuntos e ajudar-te a tirar dúvidas.”

“Sim. Obrigado mais uma vez.” Foram as últimas palavras que disse antes de me despedir do senhor.

Andei um pouco até pelas avenidas enquanto escolhia uma nova música para ouvir a caminho de casa. São quase 20. Está a ficar tarde e preciso de me despachar. Não quero dar mais motivos à dona Abbie para me chatear logo de manhã.

Pensava eu que já tinha apanhado o maior susto da minha vida até que comprovo o contrário. Uns braços envolvem a minha cintura por trás e eu estremeço de medo.

The Girl behind the Mask ✗Onde histórias criam vida. Descubra agora