Andei desalmadamente pela cidade. Precisava de desabafar. Sei que parece estúpido mas, só me sobra o Ben. Único amigo homem que tenho a certeza que não me vai julgar. As minhas amigas não teriam paciência e não há mais ninguém que seja da minha confiança. Só Ben provou ser um bom amigo. Assim que o meu braço se moveu para tocar na campainha do mesmo, senti uma presença atrás de mim.
"Tu aqui?" Perguntou o rapaz com cara desconhecida.
"Conheces-me?" Olhei-o de lado.
"Vais conhecer." Sorriu perversamente.
"Não obrigado." Elevei de novo o braço até que ele me impede e encosta à parede. Ele parecia sujo e bastante distante. O seu olhar era raiado de sangue.
"Não tens escolha." Envolveu-me nos seus braços com força, arrastando-me. Ele apertava cada vez mais e eu não tinha tempo de pensar como iria reagir. Só me restava uma opção. Simplesmente reproduzir o que sempre vejo a rapariga rebelde fazer: morder a mão. Não me julguem, os filmes que vejo, além de me porem nostálgica, tinham de servir para alguma coisa. "Sua cabra." Senti-o gemer antes de tentar me alcançar de novo. Corri o mais rápido que pude até à estrada principal. Fogo Ben, tinhas de morar num local destes?
Estava a ficar sem fôlego no entanto ele estava a um mero passo de mim. Essa devia ser a razão pela qual eu corria: medo. Olhei por cima do ombro e ele ainda corria. Não podia esperar outra coisa.
Tantos prédios com luzes acesas e tantos carros estacionados pela rua. Era escuro mas ninguém ligava ao movimento estranho na rua. Não conheço a zona, não faço a mínima ideia de onde estou. Apenas tento fazer o caminho de volta ao ginásio, rezando para que alguém esteja lá e me socorra. Ao virar a última esquina embato em algo duro. Ok, é só o peito do Harry. Mas... Harry?
"Julianne?" Olhou-me admirado
"Então vieste esconder-te por trás do lutador de boxe?" O ser nojento falou. "Não tenho medo."
"O quê que se passa?" Harry olhou-me sério enquanto me escondia como um cachorro medroso atrás dele.
"Quem ganhar a luta, faz sexo com ela primeiro"
"O quê? " olhou-me chateado. Ele não me vai defender. Não tinha vantagens no acordo.
"Em 3,..2" o homem começa a contar e Harry empurra-me para trás. "1!" Assim que ele se preparou senti tensão no ar. A contagem terminou e os músculos dele mexeram-se abruptamente. Começou a luta, a confusão. O Harry parecia que ia explodir. Toda a energia gastou-a na cara do outro. Não sei explicar, nem relatar, mas ele parecia empenhado. A maneira como ele se movimenta mostra isso mesmo. Ele iria mesmo lutar para se envolver comigo? Ó rapaz confuso. Eu não quero ficar com nenhum. Quero correr daqui para fora.
"Harry, vais matá-lo!" Guinchei. "Por favor larga!" Gemi. "Para!" Tentei puxa-lo para trás mas ainda levei um encontrão e caí. De nada mais me lembro. Simplesmente caí com força e deixei de ver, como se tudo ficasse às escuras, e só o negro do céu espelhava no meu campo de visão.
Abri os olhos lentamente deixando a claridade entrar pelos meus olhos. O teto era branco tal como as paredes. É exatamente o que estão a pensar.
"Bom dia, Julianne" uma senhora falou do meu lado fazendo-me sentar de imediato. "Calma querida." Deslizou a sua mão do meu ombro percorrendo o resto do braço.
"Não me lembro de nada. Dói-me a cabeça." Murmurei. Realmente não estava a perceber nada disto. Cada vez que me tento lembrar sou assombrada por esta maldita dor de cabeça.
"É normal. Não te preocupes, não tens nenhuma sequela."
"Mas... Como cheguei aqui? O que se passou?"
"Deste entrada no serviço de urgências pouco antes das 23. Sangravas da cabeça e estavas inanimada. Fizemos uns exames e não foi nada de grave. Amanhã de manhã deves ter alta." Sorriu-me.
"O que aconteceu? " insisti e ela dirigiu o olhar para a ponta da sala. "Harry?" Arqueei as sobrancelhas. Lá estava ele. O seu corpo espalhava-se pelo sofá e um fino cobertor o cobria atewao peito. A sua t-shirt branca estava meio rasgada e manchada de sangue. A minha respiração ficou presa assim que me lembrei do homem nojento que me seguia. Seria aquele sangue do homem? Como é que vim parar aqui? Estúpida dor de cabeça. Até o dinheiro me deixa e tu não. Frases da minha mãe cujo significado eu nunca tinha percebido.
"Vou deixá-la descansar. Daqui a pouco eu volto." Recebi um sorriso antes dela sair.
Encostei-me de novo ao colchão da cama horrível com grades de ferro de lado. Sair só amanhã será uma tortura.
Olhei Harry de novo. Como é que ele veio cá parar? Os seus caracóis meio desfeitos espalhavam-se por uma almofada e a sua boca estava entreaberta. Pálpebras encerradas com uns fios de cabelo a atravessar o seu rosto. Ele era meio angelical enquanto dormia. Sorte daquelas que acordam do seu lado e o podem ver assim. Mas o quê que eu estou a dizer? Claro que têm sorte, mas eu não quero ser uma delas. Até mesmo quando ele fica com aquele ar de pão, qualquer uma teria vontade de o beijar.
Memórias com o rapaz da mota passam pela minha cabeça. Sinto-me tão idiota por ter acreditado nas promessas que ele fazia, sinto-me revoltada por ter perdido tempo e até o emprego por causa da mágoa que ele me fez sentir mas, principalmente, sinto saudades das suas mão no meu rosto, dos seus lábios nos meus.
Paro de pensar assim que reparo que Harry se mexe. Não tenho medo dele. Só quero provar que ele não é totalmente otário como eu e 99% das pessoas com juízo pensam. Fechei os olhos de novo esperando que ele falasse.
"Bom dia, Jul." Pegou na minha mão. O seu toque parece-me tão sensível. "Já não achas que chega de dormir?" Riu-se baixinho. "Já são 9 da manhã. Desde as 2 que estas aqui a dormir." Começou a fazer festas na minha mão. "Sabes aquele homem de ontem?" Suspirou. "Não o matei." Ele tremia um pouco. "Podes achar estranho mas ele morreu. Não por mim, mas porque a noite foi longa e, assim que o deixei fugir, um carro passou a alta velocidade e o tipo levou um tiro." Senti o toque da sua outra mão no meu rosto. "Não precisas mais de ter medo. Nunca mais." Pausou novamente. "Quando percebi que te tinha magoado fiquei nervoso. É por isto que não gosto da minha profissão, às vezes magoo pessoas sem querer." Veem? Eu disse que ele devia ter sentimentos.
Ouvi a porta a abrir e senti logo o seu afastamento.
VOCÊ ESTÁ LENDO
The Girl behind the Mask ✗
Fiksi RemajaEscolhas. Talvez a coisa mais dura que fazemos na nossa vida. Eu fui uma escolha dos meus pais, e isso demonstra quanta responsabilidade cai sobre os ombros de quem escolhe. Estaria aqui a tentar explicar o porquê das escolhas serem tão duras, mas s...