Capítulo 51 ~ Correspondência

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Uma semana inteira sem o Harry. Não sei se deva sofrer por isso ou sorrir porque me sinto livre. As dúvidas pesam quando tu não tens a certeza de viver com alguém. Isto é, sinto-me livre por não ter o peso de viver com alguém que só me gera dúvidas.

“Julianne!” Cloe chama da cozinha.

“Sim?”

“Tens aqui correio para ti.” Ela grita e eu levanto-me do sofá.

“Quem é?”

“Vale a pena ler, aposto.” Ela sorri passando-me a carta para as mãos.

“Não tem remetente.” A minha mãe repara.

“Eu apostava num nome.” A minha irmã cantarola. Levei a carta ao nariz.

“Harry.” Sussurro.

“Exactamente.” Ele confirma as suas suspeitas.

“Tens a certeza que vais abrir?” A minha mãe senta-se do meu lado no balcão. “Não sei porquê mas passaste 3 dias inteiros a chorar no quarto. Espero que não tenha nada a ver com ele.”

“Não mãe. Ele não tem culpa.” Eu olho-a nos olhos e recebo um olhar compreensivo.

“Então pelo menos tem cuidado. Gente com muito dinheiro às vezes têm a mania que podem tudo.”

“Tudo bem.” Sorri-lhe e beijei a sua testa.

Lentamente caminhei até ao meu quarto. Ele não deveria ter escrito. Ele deveria simplesmente ter ficado quieto no seu canto e deixar-me pensar no que se tem passado.

Sentei-me na minha cama com a carta a um metro de mim. Não tinha medo de a abrir, tenho medo do conteúdo. Tenho medo de nela só vir mais confusão e desilusão e não poder conviver mais com isso.

Acho que fiquei alí horas. Simplesmente olhava o envelope enquanto milhares de pensamentos vagueavam na minha mente. Eu deveria mesmo abrir o envelope. Nada do que está lá dentro pode confundir-me mais, ou pode?

Decidi ignorar um envelope e saí do quarto. Não quero estar perto ele mais um bocado. Desci as escadas em direção ao Hall. Calcei os botins e vesti a gabardine. Peguei no meu chapéu de chuva e abri a porta.

“Onde pensas que vais com este tempo?” O meu pai pergunta de braços cruzados.

“Preciso de apanhar ar.”

“Jul, tens de me contar o que se passa contigo.” Fechei a porta atrás de mim.

“Sinto que há mentiras e segredos onde quer que eu vá.” Desabafei e ele fez uma cara estranha. “Não me digas que tu também!”

“Jul, precisamos de falar.”

“Tu também?” Olhei-o desiludido. De facto, o meu pai é a pessoa mais próxima de mim. Conto-lhe tudo mas também é o primeiro a repreender-me. No entanto, ele sempre me ensinou tudo o que tinha de saber e entre eles que não há segredos entre nós.

“É sobre a Sarah” Ele passa a mão nervosamente pelo cabelo.

“A minha prima?”

“Mais ou menos isso.” Ele disse e puxou-me para a sala.

“Acho que há algo que deverias saber.” A minha mãe aparece e senta-se do meu lado.

“Conta.” Pedi ao meu pai. Sarah era uma assunto que ainda hoje o magoa.

Vou contar-vos a história dela. Conheço a minha prima Sarah desde sempre. Ela era da minha idade e sempre nos demos bem. Era mais que uma prima, era a minha melhor amiga. Partilhava-mos tudo uma com a outra o que nos tornou muito próximas. Por volta dos 15, ela teve de ir para Holmes Chapel. A mãe dela conseguiu um melhor emprego lá e, por isso, teve de ir com ela. O pai dela? Acho que nem ela mesma sabe quem é. Na verdade, ela nem minha prima de sangue é. A mãe dela não era irmã dos meus pais nem algo do género, mas ela era como se fosse minha prima. É verdade, aos 18, há pouco mais de um ano, ela foi raptada e morta de seguida. Não percebo o quê que alguém teria contra ela. Ela era doce e a melhor amiga que alguém pode ter.

“Bem, a Sarah não era bem o que tu pensas.”

“Como assim?” Via dor no seu olhar. Ele não gosta de falar dela desde que esta morreu.

“O que o teu pai quer dizer é que a Sarah não era tua prima.”

“Eu já tinha percebido isso. A mãe dela não é irmã de nenhum de vocês.”

“Exato.” O meu pai mexe nervosamente com os dedos. “Eu sou o pai dela.”

“O quê?” Eu levantei-me de repente.

“É isso.” A minha mãe parecia triste.

“Ela é apenas poucos meses mais velha que eu!”

“Eu estive com a mãe dela meses antes de me casar com a tua mãe.”

“Isso significa que traíste a mãe?” Dentro de mim corria um misto de desilusão e mágoa.

“Ele não me conhecia.” A minha mãe tenta justificar. “Ele envolveu-se com a Agnes muito cedo, entendes?”

“Não quero ouvir isto.” Eu suspirei. “Eu enterrei uma prima e agora sei que era minha irmã?”

“Desculpa.” O meu pai tenta aproximar-se mas eu recuo.

“Porquê agora?”

“Fez um ano, entendes?” Ele parece aflito. “Eu queria dar-lhe o melhor mas não consegui.”

“Ela pensava que eras tio dela!” Eu estava alterada.

“Eu sei. Mas eu tinha amor de pai.” Eu mantive o meu silêncio. A minha cabeça está uma confusão. Hoje ela faria 20. Eu sei que é esse o motivo dele. “20 anos.” Ele suspira. Eu acerto sempre no que ele está a pensar.

“Eu preciso de pensar. Pode ser?” Eu estava realmente mal.

“Amor, não voltes tarde e tem cuidado com a neve.” A minha mãe grita quando bato com a porta da entrada. Eu sei exatamente onde quero ir agora.

Caminhei pela escadaria acima. O frio era realmente algo caótico mas eu precisava de o fazer.

Parei em frente à pedra de mármore. Estava maioritariamente coberta de neve. Fiquei ali uns minutos a tirar a neve de cima dela e deixei em cima uma rosa branca. Era a nossa favorita. Ela queria que o namorado lhe oferecesse uma há muito tempo. Ele não era muito de flores, pelo que ela me disse, mas fazia-la feliz. Nunca falamos muito dele. Sempre que ela me vinha visitar conversávamos sobre a escola, sobre coisas de miúdas e sobre tudo aquilo que nos vinha à cabeça. Relembrávamos coisas de infância enquanto tentávamos reviver tudo de novo. Tudo o que ela vivia em Holmes ficava em Holmes. Sempre falou bem da cidade e das pessoas e prometeu levar-me lá um dia. Ora bem, acabei por ir lá ter na mesma. A mãe dela nunca deu notícias pelo que nunca a consegui procurar.

“Olá mana.” Sussurrei. “Parabéns!” sorri. “Trouxe o teu presente, espero que fiques feliz. Tinhas razão, Holmes Chapel é uma cidade muito bonita. Vivi lá muita coisa nos últimos 3 meses.” Pausei. “Ajuda-me, por favor.” Lágrimas quentes corriam pela minha cara fria. “EU queria entender tudo e todos mas não consigo. Vim para casa para encontrar paz mas encontro segredos.” Solucei. “Dá-me força pra continuar a procurar respostas. Eu prometo que vou descobrir quem te fez isso e vou vingar a tua morte.” Quase gritei a última parte. “Ajuda-me.” Pedi mais uma vez limpando as lágrimas da minha cara.

Agora preciso de ir para casa. Preciso de fazer malas. As respostas às minhas perguntas estão em Holmes Chapel. Agora que penso nisso, tenho de ir ver o que tem aquele maldito envelope. Eu tenho de ver o que o Harry tem para me dizer. Preciso de voltar lá.

The Girl behind the Mask ✗Onde histórias criam vida. Descubra agora