Capítulo 28

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ERIN

Faz alguns minutos que estou olhando para o teto como se eu pudesse enxergar algo que não fosse sua ínfima palidez. Para o meu desgosto, a imagem representava apenas um fundo branco ao qual eu não poderia atravessar em outra dimensão, alguma distinta onde o dor não representasse nenhum tipo de sofrimento.

Aquela seria apenas mais uma noite que eu não conseguiria dormir, afinal de contas, a insônia havia se tornado uma disfunção bastante pungente aos meus conflitos. Vestida com uma camisola de seda preta eu desci as escadas, estava tudo escuro, não havia mais ninguém exceto eu e minha melhor companhia: a solidão.

Certifiquei-me de pegar uma garrafa de whisky na adega antes de caminhar rumo à entrada principal. O meu horizonte era um quintal espaçoso que contornava a casa em toda superfície. Também havia escuridão por todas as partes e a noite até que estava fria para um verão tão hostil quanto naquela estação.

Passei as mãos pelos meus braços, afim de acalentá-los, e segui em frente pisando no solo com os pés descalços. A textura da grama em minha pele fina traziam sensações novas, bem-vindas. Tudo o que eu almejava era desvencilhar-me dos efeitos colossais, mas isso era algo que — apesar dos esforços, — estava além do meu controle.

Abri a garrafa de whisky e olhei para o céu pela primeira vez desde que cheguei ali, não havia estrelas para abrilhantar a noite, apenas um céu acinzentado que se comparava a minha própria existência. Até mesmo o universo e o cosmos haviam se cansando de tanta soturnidade, haviam feito suas malas e partido naquela noite.

Virei o primeiro e descomedido gole, sentindo o líquido âmbar queimar a minha garganta como fel. A minha vida havia se tornado uma peripécia, onde o mundo apocalíptico era real e tudo o que havia restado para mim. Aquele que é digno de receber alguma coisa, por mérito próprio: é merecedor de todo o sucesso, ou no meu caso, toda a derrota pelos seus atos e escolhas.

— A escuridão combina mais comigo mesmo. — Eu berrei à pleno pulmões. — Foda-se as estrelas! 

Percebo quando Sebastian Balewa, o segurança da guarita de entrada,  acende as luzes para averiguar o que está acontecendo. O seu perfil — assim como o de Hubert —, deixava nítido sua participação no exército: era um homem negro de porte robusto e cabelos rentes. Sua feição quase sempre estava séria, mas não no dia de hoje quando lhes mostro o dedo do meio. Sebastian apenas acena a cabeça e sorri antes de entrar novamente em seu posto e exercer o seu serviço entediante que me custava um belo cheque no final do mês.

Saboreei mais um gole da bebida quente antes de sentir os pingos gélidos acertarem alguns pontos da pele desnuda. Apenas continuei ali, parada, até quando a chuva veio e me deixou encharcada da cabeça aos pés no meio da enorme área gramada.

As lembranças vieram como uma onda forte, disposta a me expulsar do oceano profundo, decerto com o coração ralado.

Os nossos sapatos afundavam nas poças fundas de lama enquanto estávamos correndo pelas ruas escuras, rindo como dois malditos adolescentes.

— Rápido, garota, eu estou ficando molhado como um pato!

— Acontece que você é um pato, Rudie.

— Ow, isso não é uma verdade — ele protestou, antes de me empurrar para dentro de uma cabine telefônica. Aquele era o nosso único abrigo contra as gotas pesadas que caiam do céu escurecido. Havia pouco espaço para duas pessoas ali, logo, a proximidade não era algo de que houvéssemos planejado.

— É a mais pura verdade — digo, com um sorriso em meu rosto.

— Qual é, achei que você me conhecesse melhor do isso — Rudie disse fingindo algum tipo de mágoa. — Coach, coach — ele imita os coaxes de um anfíbio com empolgação. — Eu sou um sapo!

Benefício da Dúvida (+18)Onde histórias criam vida. Descubra agora