KEERAN
________
Cuidado, príncipe, para não se afogar no sangue que você derramou.
Cuidado, príncipe, com a morte que se aproxima de si.
Uma voz masculina irritante me atormenta com um tom risonho, enquanto eu arrumo as coisas que eu irei precisar para a viagem pela floresta, e os dias fora da capital, dentro de uma bolsa. Às vezes sentia a sensação de que a voz sussurrava perto de meu ouvido, e as vezes gritando do outro lado do cômodo, gargalhando.
Sempre as mesmas palavras, mudando algumas vezes o título de príncipe para assassino do coração negro.
Eu estava extremamente cansado dessas vozes.
Estava cansado de fechar os olhos e ver sempre a mesma coisa, sangue em minhas mãos, e ouvir gritos de súplicas. Estava cansado de estar tomando banho e alucinar com a água se tornando um líquido vermelho, me banhando com sangue. Estava cansado de estar conversando com uma pessoa e de repente ver sua garganta dilacerada, se tornando, por alguns segundos, mais uma pessoa assassinada por mim.
Eu comia e tentava dormir o máximo possível para ter forças. Forças para lutar se for necessário quando fosse resgatar Makenna. Eu iria chegar nela primeiro, e não um guarda tentando me proteger.
Não via a hora de abraça-lá.
Não só porque seu abraço é uma das coisas que eu mais sentia falta, e sim porque acho que em um abraço iria estar claro tudo o que eu não iria conseguir dizer em um momento de tanta emoção.
— Príncipe Keeran.
Estava pegando minha espada quando ouvir a voz, em um tom tão preocupado que por um segundo pensei que era mais uma das vozes em minha cabeça. Porém, me virei para encontrar uma criada de meia idade, baixa e rechonchuda, com a respiração ofegante parada na porta.
— Desculpa, eu bati mas…
Mas eu não tinha ouvido, claro.
As vozes em minha cabeça eram tão insistentes que me tiravam do mundo real, fazendo com que um simples barulho de um bater na porta não fosse ouvido por mim. Tinha acontecido muito nesses dias quando me fechava em meu quarto. E era só alguém aparecer que as vozes sumiam, como aconteceu nesse momento com o aparecimento da criada.
É até um alívio.
— Tudo bem? O que aconteceu? — perguntei, colocando a espada na bainha das costas.
Uma espada de cabo dourado com detalhes pretos, de lâmina curva e mais larga na extremidade livre, que antigamente era de meu avô e foi dada para mim por meu pai, quando comecei meu treinamento de lutas junto com ele e Henrik. Sentia falta desses treinamentos. Mas não era o momento de pensar sobre isso, refletir enquanto colocava a bolsa de viagem pronta sobre o ombro esquerdo.
— Príncipe Henrik me pediu para vir chamá-lo. — a criada me informou. — Ele e a princesa estão lhe esperando na cozinha.
Pelo seu tom, parecia muito importante, e ela com certeza correu até meu quarto para me avisar sobre.
Eu tinha combinado de encontrar Henrik e Weynar na saída dos fundos do castelo, e não na cozinha. Weynar iria pegar suprimentos, mas iria sair de lá sem ser percebida — uma habilidade que ela tinha desde criança. Devia ter acontecido alguma coisa para ela ter continuado lá, Henrik ter ido ao seu encontro e mandado que uma criada viesse me chamar.
— Então vamos.
Fiz um gesto para que ela fosse na frente, e andei em passos rápidos até a saída do quarto para segui-la. Por um momento pensei que talvez isso fosse uma armadilha, alguém que tenha descoberto nossos planos de sair do castelo e contou para nosso tio, e ele arrumou um jeito de nos prender aqui. Mas não iria saber até chegar à cozinha, onde iria descobrir se meus irmãos estavam "presos" ou se realmente tinha acontecido outra coisa que atrasou nossa partida.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Histórias Perdidas
FantasyVol. 2 da trilogia "Ascensão dos Reinos." Eles não conhecem o perigo que os rondam. Sendo fácil ser influenciado. Sendo fácil colocar a culpa em quem não é culpado. Duas pessoas queridas estão desaparecidas. Todos estão atrás de respostas...