Depois

765 120 10
                                    

ALLYRIA
__________

Quando eu pensava na minha morte, imaginava que eu estaria bem velhinha, feliz por ter aproveitado a vida plenamente. Talvez com filhos e netos me velando, ou apenas pessoas que me amavam. Não sabia se eu queria ter filhos e não tive tempo de pensar mais sobre isso quando a vida me foi roubada.

Agora o que resta de mim é minha alma aprisionada.

Vivo no escuro e no silêncio. Nas sombras e na infelicidade. No sofrimento e na solidão. Ferida.

Algumas vezes conseguia ver um vislumbre do que a intrusa em meu corpo estava fazendo, foi assim que soube como Alik e Terlock a ajudaram. Como Terlock enganou minha mãe. Como ele me fez de cobaia. Todos uns desgraçados ambiciosos. Mas a intrusa sempre sabia o que eu tinha visto e me atacava, ela usava minhas memórias para me fazer sofrer. Uma memória feliz acabava em sangue e tragédia, muito diferente do que eu lembrava. Ela me mostrava o que podia fazer com as pessoas que eu amava. E, assim, me mantinha fraca e sob controle.

Só que, nas vezes em que as pessoas que eu amo realmente estiveram em perigo, eu conseguir ser mais forte e conseguir salvá-los. Busquei força onde eu nem sabia que tinha.

Os momentos com essas pessoas amadas me ajudavam a lembrar que eu era forte, que eu conseguia lutar.

Até não poder mais.

Uma parte da intrusa estava dentro de mim desde que eu nasci, adormecida, me preparando para recebê-la por completo. Tinha um colar em meu pescoço, lembro que foi Alik que me deu, outro subordinado da intrusa. Esse colar ajudava a intrusa a controlar meu corpo sem precisar lutar comigo, ajudava ela a usar meu poder. O poder que estava tornando-a forte. Só que Makenna quebrou esse colar e eu conseguia lutar mais do que nunca pelo controle do meu corpo.

Mas a intrusa já estava mais forte e ela sempre ganhava de mim. Não podia fazer muito. O corpo era dela agora.

Foi então que ela descobriu meu lugar secreto que eu compartilhava com minha alma gêmea. Descobriu que Lorcan estava vivo. Descobriu que ele pode ajudá-la a me controlar, a tomar mais de mim. Descobriu que o poder em minha alma pode torná-la mais forte com mais rapidez, ela não precisa esperar mais para começar sua vingança.

Tentei avisar Lorcan para fugir, mas ele não me escutou.

Agora tenho que ver ele ser um prisioneiro assim como eu. Tenho que ver ele fraco por causa das cordas que some com seus poderes. Tenho que ver ele ajoelhado ao lado da intrusa.

Para ele não morrer, tenho que fazer o que ela quer. Tenho que obedecê-la sem tentar nada. Não posso mais tentar lutar contra ela.

Sei que em algum momento ela vai matar Lorcan e que isso pode ser agora, que posso libertá-lo para ele ir para o Outro Mundo, mas não estou preparada para ver ele morrer, para ver ele se ferir. Ela sabe disso. Ela gosta disso.

Tenho que fazer o que a vadia desgraçada mandar.

Hoje, ela me deixa ver o que está fazendo. Porque é muito satisfatório para ela. É um dia feliz.

Estamos paradas em uma floresta. Lorcan está ao nosso lado. Ela olha para ele e consigo ver que ele está de joelhos no chão, se contorcendo e gemendo de dor. Por um momento acho que a vadia está o torturando, ou não alimentou ele desde ontem, mas não é nada disso. Não sei como sei, mas percebo que essa floresta está fazendo algo com ele.

— Ele está morrendo. — a intrusa me avisa, seu tom cruel. — Faça o que eu pedir e eu o protejo do poder que está matando-o.

Nessa escuridão, não tenho um corpo, mas, se eu pensar bem, eu consigo ter algo parecido. Por isso me abraço, me culpando pelo sofrimento de Lorcan. Eu devia ter feito mais. Devia ter conseguido pegar o controle naquela torre e ter o salvado. Agora estamos os dois nas mãos dela.

Histórias Perdidas Onde histórias criam vida. Descubra agora