21. Lembranças

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Lauren estacionou próximo à ponte, um lugar tão conhecido por seus pés, pegou uma cerveja e caminhou para onde costumava sentar quando precisava pensar, ali tão longe de todos, mas tão próxima de sua realidade. Observava de um lado o movimento intenso dos carros, pessoas e mais pessoas em suas respectivas rotinas, carros luxuosos do ano, ostentando o poder aquisitivo daquela cidade, já do outro lado da ponte, mais abaixo do glamour, era Boulevard ney, o lugar de onde ela veio, a favela sobre os trilhos, e o bairro mais pobre de Paris.

Famílias inteiras dividindo um mesmo espaço, com um sistema de água precário e muita sujeira, Lauren fazia o que podia para ajudá-los com comida e cobertores para o inverno rigoroso, e tentava convencer Joca a melhorar o lugar, mas segundo ele, não era seu trabalho e nem o dela. Lauren tinha um grande afeto por algumas daquelas pessoas, com ótimas lembranças de quando a família da Amanda preparava canja e dividia entre todos, ou quando estava aprontando com Veronica em algum canto da cidade, então mesmo com todas as lembranças ruins, ela nunca pôde dar as costas para aquele lugar.

Assim que Lauren descobriu seu talento com os números, focou toda sua atenção nisso, sabendo que poderia se destacar, então se esforçou aprendendo cada vez mais, já na faculdade de contabilidade, ela tinha contato direto com pessoas muito ricas, talvez não as melhores e mais honestas da cidade, mas eram as que precisavam de serviços sigilosos, e mesmo contrariando seu pai, começou a ganhar dinheiro trabalhando para essas pessoas, um contato foi indicando para o outro e seu nome crescendo, no meio dessas consultorias empresariais, ela não fazia muitas perguntas sobre seus clientes, porque não se importava contanto que eles pagassem bem. 

E eles sempre pagam muito bem, de forma que Lauren saiu da sombra de Joca, e com seu primeiro grande pagamento, ajudou Veronica a tirar a família de Boulevard, elas continuaram melhores amigas e por diversas vezes, Lauren tentou convencer Vero a estudar, mas a garota não gostava da ideia, preferia seu estilo de vida, acordando tarde e trabalhando de bartender em um dos bares mais badalados de Paris, onde ela flertava com muitas mulheres e bebia cerveja de graça, Lauren também adorava aquele lugar. Mas apesar do dinheiro, bebidas, mulheres e tudo que ela havia conquistado, faltava alguma coisa e existia um vazio em seu peito, Lauren tentava preencher de todas as formas sem pensar no amanhã, porque ela realmente não planejava nada para o futuro, só ia levando sem precisar lidar com esse sentimento, onde um demônio sombrio lhe assombrava, não sabia nada sobre sua história, nem sobre seus pais, e a sensação era de que, se cruzasse com alguém da sua própria família, jamais saberia. 


Lauren pov. 


A maioria das minhas lembranças de criança, são com Mariá, a mulher que me encontrou na rua com cinco anos e me criou como conseguiu em Boulevard Ney. Nunca chamei ela de mãe, na verdade, nunca chamei ninguém de mãe, nossa relação era bem estranha, ela parecia não gostar muito de mim, claro que nunca fui muito fácil de lidar, aprontava muito pelas ruas, por mais que em nossa casa, ou melhor, nosso barraco, não faltasse nada, tínhamos comida e até água potável, eu gostava de sair pelas ruas batendo carteiras de playboys franceses metidos a besta, jogava a carteira e os documentos em qualquer canto e pegava o dinheiro para comprar comida pro pessoal da comunidade e revistas de banda para mim, talvez fosse por isso que Mariá vivia praguejando que não sabia onde tinha se metido, mas ela não era um monstro e não me tratava mal.

Eu sempre tive vários flashes sobre pessoas as quais não conheço, talvez minha família, mas não posso afirmar, perguntei algumas vezes para Mariá, mas ela sempre dizia não saber quem era minha família, apenas me encontrou vagando pelos trilhos com um ursinho nas mãos.

Minha mágoa sempre foi tão grande, que nunca fui atrás de ninguém.

Também nunca mais vi Mariá, é como se ela tivesse sumido do mapa, não ligou, e não me procurou para saber se estava bem, desde o dia em que Joca me buscou, ela se foi, assim como a minha família de sangue, no final, é como se todos me abandonassem. 

...

— Pegue somente o necessário, chegando lá vamos comprar roupas novas. – Joca disse, para uma Lauren aérea. 
— Não é como se ela tivesse muitas coisas para levar. – Cobra falou enquanto bebia sua água.
— Poderia comprar roupas novas para mim também Joca. – Mariá disse cheia de intenção.
— Nem se atreva, peça para o macho que você está indo atrás.
— Você sabe que eu faria de tudo pra ter você de volta.
— Eu fui burro uma vez, e já foi o suficiente. 
– Ele rebateu.

Enquanto a conversa rolava entre os três, Lauren retirava seus posters da parede. Com muito cuidado descolou seu pôster favorito do Linkin Park, na imagem o vocalista Chester estava segurando um microfone, e a escrita Numb no meio, era a música que havia estourado naquele ano.

Em seguida, retirou o pôster do Jimi Hendrix, o maior guitarrista de todos os tempos, depois o sombrio pôster do Iron Maiden, Mariá sempre reclamava que aquela capa era medonha. Quando foi descolar o pôster do Evanescence, os cantos que estavam com fita, acabaram rasgando o pôster na metade.

— Não, não, não. Carajo!
— O que foi, Lauren? – Cobra perguntou se aproximando da menor.
— Meu pôster, meu pôster rasgou, bem no rosto da Amy Lee. – Lauren tentava colar os pedaços, com os olhos marejados.
— Calma baixinha, passamos na banca pegar outra revista.
— Mas e se não tiver?
— Vamos procurar, até encontrar, Ok? – Ele disse, e ela assentiu.
— Cobra, porque eu tenho que ir?

— Porque nós vamos cuidar de você agora, e você vai fazer parte da família. 

Lauren nunca entendeu bem o significado de família, via nas outras casas, algo que não tinha com Mariá, mas pensava não fazer falta, os poucos anos que tinha, já lhe ensinaram a ser durona.

— É isso aqui, Joca, vou levar pro carro. – Cobra disse, segurando uma mochila escolar, e outra com as roupas.

Lauren segurava uma caixa com suas coisas, dentro tinha revistas, álbuns de figurinhas e seu ursinho do rei leão, que ela não contava para ninguém que tinha. 

— Vou sentir sua falta, peste. – Mariá disse, ajeitando o cabelo de Lauren.
— Vai nada, você só quer se livrar de mim. – Ela respondeu emburrada.
— Lauren, também não é assim, Joca poderá te dar uma vida melhor. – Mariá disse, e Lauren deu de ombros, indiferente. — Joca, esses são os documentos que ela tem.
— Obrigado, de qualquer forma, vou pedir para providenciarem novos. – Ele respondeu, guardando no bolso.


— Mariá, eu queria dizer uma coisa antes de ir. – Lauren disse, e os dois olharam para ela, que se esforçava para não chorar. — Obrigada por ter me acolhido esse tempo, por cuidar de mim, quando minha família me rejeitou. 
— Lauren, você não tem que me agradecer por nada. Vem cá. – Mariá, abriu os braços e Lauren soltou a caixa para abraçá-la.

Naquele momento Lauren não percebeu, mas Mariá e Joca trocaram um olhar cúmplice, carregado de culpa. 

Libélula. A herdeira Rockefeller - CamrenOnde histórias criam vida. Descubra agora