34. Refém

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Camila pov

Lauren não me deixou dirigir por muito tempo, logo me fez parar no acostamento alegando que eu estava fazendo mal para sua caminhonete, no caminho ela parou em um drive pegando sorvete para gente, ela dirigia com uma mão, enquanto segurava sua casquinha de baunilha na outra, algumas gotas escorreram por sua palma e Lauren não conteve sua língua ao limpar, me fazendo franzir o cenho. Começou a entardecer e minha cabeça já estava a mil, tantas horas fora do meu cativeiro não parecia ser certo, mas ela não parecia nada preocupada com isso, estacionou próximo a uma ponte terminando seu sorvete, a olhei sem entender e ela desceu do carro me chamando com um aceno, mesmo desconfiada desci do carro e a segui.

Ela se sentou na beirada da ponte com as pernas suspensas no ar, me sentei ao seu lado sentindo um calafrio pelo vento frio e talvez um pouco pela altura, o movimento dos carros era pouco devido ao horário, tínhamos vista para o que parecia uma favela meio escondida em trilhos. Olhei com atenção para aquele lugar, uma mulher estendia roupas no varal improvisado, enquanto um senhor jogava papéis no latão que pegava fogo para esquentá-los, dois cachorros brincavam de se rolar na sujeira, e naquele corredor estreito havia várias casinhas que pareciam frágeis demais para aguentar o clima frio com apenas lonas nos telhados, meu coração encolheu dentro do peito.

— Foi aqui que passei parte da minha infância, não consigo me lembrar de nada antes desse lugar. – Lauren disse, quebrando o silêncio. Permaneci quieta esperando ela continuar. O olhar dela estava longe, assim como seus pensamentos.

— Joca me adotou quando eu tinha uns 9 anos, depois minha vida mudou muito, mas antes eram nessas vielas que eu vivia correndo.
— Você devia ser terrível, uma mini Lauren, deve ter aprontado muito. – Respondi, tentando disfarçar o nó em minha garganta.
— Pode ter certeza, foi um dos motivos para o Joca me tirar daqui, eu não dava sossego para mulher que me criava.
— Então você... Não conheceu seus pais verdadeiros? – Perguntei, tentando não ser tão invasiva.

— Não. – Ela respondeu, fez uma pausa e respirou fundo. — Nem sei quem são eles, não me lembro de nada, pelo que sei, fui deixada aqui a própria sorte, até Mariá me encontrar e me dar um teto para ficar. Às vezes tenho sonhos, iguais os daquela noite, que parecem ser tão reais, mas com essas pessoas que não conheço, penso que possam ser eles, mas não tenho certeza, tudo pode se tratar do meu cérebro dando sinais de falhas.

Dessa vez precisei soltar o ar que prendia, não sabia o que dizer, Lauren estava se abrindo comigo e contando sua história, uma história nada fácil e muito distante da minha.

— Você não tem curiosidade em saber o que de fato aconteceu? – Perguntei com cautela.
— Eles me abandonaram, não tem o porquê eu ficar curiosa com essa história de merda, já tenho cicatrizes o suficiente.
— Já faz tanto tempo, Lauren, talvez fosse bom para você saber, até para ajudar com esses sonhos.
— Não sei, quem sabe o que posso encontrar indo atrás deles.
— Quando você pensa sobre sua família biológica, sente apenas raiva?
— Não chega a ser raiva, é mais sobre... – Suas palavras morreram aos poucos, buscando uma que melhor se encaixasse.

Ela tombou a cabeça para baixo, balançando repetidas vezes, Lauren parecia tão vulnerável naquele momento, me pareceu certo colocar minha mão sobre a dela.

— Mágoa. – Respondi, entrelaçando nossos dedos.
— Sim. – Concordou num sussurro. — Mágoa, sentimento de abandono... como podem deixar uma criança em um lugar como esse? Eu jamais faria isso, não importam as circunstâncias, eu nunca abandonaria um filho meu. – Ela terminou de falar, ainda sem me olhar.

— Eu tenho certeza que você jamais, faria algo assim. – Respondi intensificando o aperto de nossas mãos. — E sei que não é justificável o que eles fizeram, isso é terrivelmente cruel, mas acredito que você deva procurá-los e enfrentar os seus demônios.
— O que você sabe sobre meus demônios? – Ela perguntou, dessa vez me encarando, a mandíbula trincada e seus olhos brilhando, era certo que ela se esforçava para não chorar. A minha única vontade naquele momento era de protegê-la.

Libélula. A herdeira Rockefeller - CamrenOnde histórias criam vida. Descubra agora