Dreamland é castigada desde muito cedo. Um já habitual alvorecer de novembro muito nublado, prenúncio da tempestade desta manhã.
Meus dedos ainda insistem em doer, feridos pela brutalidade de cada golpe dado em um saco de areia suspenso no teto de uma isolada sala de meu apartamento — talvez eu esteja sempre muito destinado a toda esta merda. Resultado do demônio que sou.
“Você sabe que sempre vou te amar, Gabriel.” — eu sou assaltado outra vez por uma de muitas lembranças do amor que vivi no passado. Como ela tinha uma voz terna, articulada e muito penetrante, que sabia exatamente como amolecer o meu coração.
Eu tento confrontar o meu indigno reflexo no espelho do banheiro, odiando cada centímetro do idiota que encara-me de volta, consciente do eco assustador dos trovões pelas ruas desta cidade, empenhado em transportar minha alma escura à minha inocente infância quase feliz.
Lembro-me de tremer sob as cobertas e buscar refúgio no quarto da mamãe. “Mais um pesadelo, querido? Oh, não se preocupe. A mamãe vai te proteger.” E ela protegeu o quanto podia, suponho. Infelizmente o adeus veio cedo demais para mim.
Vou para debaixo do chuveiro e fecho meus olhos, silencioso, recebendo o jorro de água pura sobre o topo de minha cabeça, refletindo.
“Não seja tão duro consigo mesmo, Enzo. Todos tiveram sua parcela de culpa. Não deveria trazer o peso do mundo sobre os seus ombros, vai quebrar suas costelas assim. Literalmente.” Os sábios conselhos paternais do doutor Morgan voltam a torturar minha mente. Quanto tempo faz que não visito o consultório deste velho terapeuta? Em que momento, a escuridão se empossou de toda a minha vida?
Eu elimino todos os vestígios desta bagunça da minha consciência quando ouço o chiado do azeite dentro da frigideira, lembrando-me dos ovos batidos do omelete que estou preparando.
Minha madrasta é a grande responsável por eu saber lidar com a cozinha e, naquela época, não foi nada fácil. Lembro que levou bastante tempo para que eu pudesse me acostumar com a ideia de que não voltaria a escutar minha mãe cantando mais uma música para me distrair dos pesadelos.
Quando ela foi arrancada do meu lado, levou consigo a minha voz. Por longos meses, eu simplesmente não conseguia falar mais nada. O mundo parecia cruel, escuro e vazio demais. Bem, outros tempos. A ausência da minha mãe me fez ser alguém apegado à Karen Raymond.
Observo o vapor fumegante da minha xícara de café, desatento, mais quebrado do que nunca. Por alguma inexplicável razão, meu fatídico passado de merda resolveu vir à superfície junto da tempestade apenas para me atormentar.
Quando alcanço a Atlantic avenue, fico satisfeito de ter saído bem cedo de casa. Normalmente, este pedaço de asfalto molhado pela chuva, estaria completamente tumultuado.
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Amores Proibidos - Vol. 1
RomanceA tempestade costuma castigar a cidade de Dreamland e não é uma novidade a nenhum de seus habitantes. Mas, atrasada para a aula de literatura do senhor Raymond - a brilhante, encantadora e jovem Anna Hayes não esperava contar que justamente naquele...