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"Porque nunca deixamos de crescer, e raramente deixamos de sonhar

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"Porque nunca deixamos de crescer, e raramente deixamos de sonhar."
- Sr. Daniels, Brittainy C.C.

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VALERIE

O general dos exércitos da Corte Noturna era um dos machos mais bonitos que eu já havia visto. Os cabelos escuros na altura dos ombros, os olhos de avelã, o maxilar forte. Suas feições eram marcantes, como se fossem constituídas de terra, vento e chama. Sua altura impressionava também, mas nisso não era diferente de qualquer outro Illyriano. Eles eram todos gigantes e musculosos. O mais importante sobre Cassian, no entanto, não era sua aparência e sim o fato de que ele era um dos dois machos mais fortes da raça Illyriana. Cada um dos homens que havia tentado me atacar portava um ou dois Sifões. Mas Cassian possuía sete.
Eu o tinha rastreado havia dias, tendo sentido sua presença em um ponto específico do território de sua Corte. Cassian se encontrava em Velaris, a Cidade de Luz Estelar, no lado ocidental da Corte Noturna. Onde eu não poderia alcançá-lo. As defesas de Rhysand eram fortes demais para que eu as quebrasse. Então aguardei, permitindo que os sussurros que provinham da luz, sempre ao meu redor, me indicassem a hora em que o caminho estivesse livre.
Meses depois de sair de meu cativeiro, descobri que novas ameaças rondavam Prythian. Até então eu estivera nos bosques da Corte Diurna, território de Helion, sem que ninguém soubesse de minha presença. Mas retornei a Hybern, camuflada à plena luz do dia em minha magia clara, e tirei minhas próprias conclusões sobre os sussurros que as correntes de luminosidade haviam trazido até mim em meu refúgio. E a conclusão foi a de que era preciso emitir um aviso, um novo chamado para a batalha. Ygnnor, primeiro herdeiro do trono hyberniano, cujo poder e conhecimento mágicos quase superavam o do falecido Rei, estava se preparando para dar início a mais um período de morte e devastação. E eu era a única que possuía informações não apenas sobre ele, mas também sobre seus objetivos. Até porque eu mesma, ao fugir de Hybern, me tornei um deles. Não. Eu sempre havia sido um dos objetivos de Ygnnor.
Ao retornar a Prythian após minhas investigações eu decidi que, se havia alguém que poderia se colocar contra ele, esse alguém era Rhysand, bem como os integrantes de seu círculo íntimo. Não cogitei a ideia de apelar às outras Cortes, não quando tantas delas me pareciam impróprias. A Outonal era liderada por machos desprezíveis; a Primaveril estava em pedaços; a Estival ainda se recuperava dos últimos ataques de Hybern antes da batalha final. A Corte Noturna era, portanto, a escolha mais sábia. Sem contar o fato de que eu tinha razões particulares para preferir me aliar a ela.
Mas eu não poderia simplesmente invadir o território do Grão-Senhor e lhe propôr uma aliança. Rhysand não era simplesmente poderoso, ele era o Poder. Apesar de ele e eu partilharmos, mais do que parecia, nossas origens, não seria prudente me apresentar a ele na totalidade de quem eu era. Então fiz desaparecer minhas asas Illyrianas e optei por uma abordagem menos direta, procurando por Cassian ao invés de seu Grão-Senhor. E me apresentando como Grã-Feérica apenas.
- Hybern não tem herdeiros - o general discordou - Nós vencemos a guerra. Acabou.
Enquanto o Illyriano tentava convencer a si mesmo disso, lancei sobre ele um fio de poder. E fui recompensada quando sua mente se abriu diante de mim como uma tapeçaria finamente trabalhada. Sentimentos, mais do que pensamentos, saltaram até mim. Apesar de ainda não entender por completo aquele novo dom, eu o tinha dominado. E aprendido a usá-lo para conhecer meus inimigos. Ou meus aliados.
Eu senti a mente do general como se fosse uma extensão da minha própria. Senti o frio de uma barraca esfarrapada em um acampamento coberto por lama; senti o triunfo, a alegria, ao ter em mãos pela primeira vez um Sifão vermelho; senti a aversão e a repugnância por aqueles que consideravam os humanos inferiores e que deram início à primeira guerra entre Hybern e Prythian; senti o pavor quando Amarantha ergueu seu reinado de terror e aprisionou Rhys, seu amigo e irmão, em uma teia de traições; senti as emoções que lhe embaralhavam o peito ao ver a mulher dos gélidos olhos azuis-acinzentados; senti o alívio pela volta ao lar após o fim da segunda guerra.
Em não mais do que cinco segundos, a história de Cassian se apresentou a mim como um quadro pintado pelo mais atencioso dos artistas. Conhecendo o general de uma forma que ele sequer imaginava, eu disse:
- Vocês venceram o Rei e anularam o poder do Caldeirão. Mas não derrotaram todos os inimigos. Nem todos os exércitos. O Príncipe de Hybern vai cair sobre vocês com força total.
- E como você sabe disso, mulher? - Devlon perguntou, rude.
Quando voltei minha atenção para ele e rosnei, não me importei por estar deixando transparecer minhas emoções. Era bom que o senhor do Refúgio do Vento olhasse em meus olhos e enxergasse a fúria adormecida por trás deles, pronta para ser liberada a qualquer instante.
Enquanto investigava os traidores em meio aos Illyrianos eu pude conhecer mais a fundo Devlon e seus conceitos machistas e antiquados. E eu soube, desde o início, que o homem teria sérios problemas se decidisse direcionar seus preconceitos para mim.
Nunca mais alguém teria a capacidade de me subjugar. E aqueles que tentassem acabariam por descobrir o que Hybern havia feito nascer em meu interior.
Comecei a brincar com fios de luz entre meus dedos, casualmente. Mesmo à noite, quando o sol dormia e a lua assumia o comando do céu, a luz permanecia comigo, porque ela nada tinha a ver com os raios solares. O sol pertencia à Corte Diurna. A minha luz era outra, provinha do próprio ar, da terra, da água. A luz que brotava do mundo feito pela Mãe. A luz que nunca desaparecia, mesmo quando o dia terminava. A luz que me habitava e obedecia aos meus comandos.
A luz que nunca mais seria contida.
- Meu assunto é com o general, não com você - falei - Ponha-se no seu lugar e tente não ser estúpido o bastante para entrar em um jogo que não pode vencer.
Devlon, como um legítimo Illyriano, perdeu a paciência e avançou, mas foi interrompido pelo enorme escudo rubro que se materializou em minha frente.
- Enquanto a moça estiver tratando comigo - Cassian, com os Sifões reluzindo, se dirigiu a Devlon - você não interfere.
E ali estava, o bastardo que ascendeu e chegou ao topo da hierarquia. Não era à toa que Cassian tinha se tornado o general de Rhysand. Ele exalava liderança e força.
Devlon se voltou para ele e fez menção de responder, mas eu preferia tirá-lo logo de nosso caminho. Bem à vista de todo o acampamento, fiz a luz espiralar ao redor da cabeça do Illyriano e o derrubei, inconsciente. Eu não tinha tempo a perder com criaturas inconvenientes como ele.
Cassian conteve à contento a indignação dos demais Illyrianos, que queriam a qualquer custo fazer com que eu pagasse por minha - segundo eles - "petulância", e deu ordens para que os machos desmaiados fossem levados dali. Quando estávamos sozinhos, ele cruzou os braços - que, não pude deixar de notar, eram bem impressionantes - e me encarou.
- Eles vão acordar, certo? - questionou, sério.
Bufei. Poderia apostar que o general não daria a mínima se o miserável do Devlon nunca mais abrisse os olhos.
- Sim - garanti - Mas me certifiquei de que terão uma dor de cabeça extremamente incômoda.
Apesar de tudo, ele riu.
Fazia tantos anos que eu não ouvia uma risada verdadeira - sem malícia ou crueldade - que por um segundo me permiti aproveitar o som que ele emitia.
Maldito Caldeirão, até a risada do general era atraente.
- Não posso dizer que o cretino não tenha merecido - ele assentiu - mas a pergunta permanece: Como você sabe que Hybern possui um herdeiro, se nem mesmo nós tomamos conhecimento disso?
Dei de ombros com fingida indiferença.
- Tenho minhas fontes, general - desconversei - E vou estendê-las à sua Corte, desde que você me possibilite conversar com Rhysand e sua parceira.
- E você espera que eu confie em suas palavras?
- Você por acaso tem outras opções?
Cassian estreitou os olhos, os Sifões brilhando um pouco mais em sincronia com o escrutínio que ele fazia em meu rosto.
- Gosto da sua atitude - admitiu - Mas eu não estaria onde estou se acreditasse em tudo o que ouço.
A luz se reuniu, circundando meus ombros tensos.
- Então está me dizendo que não vem lidando com o descontentamento dos Illyrianos? - perguntei.
O belo rosto de Cassian se contorceu em uma careta.
- A revolta de alguns Illyrianos é real - concordou - O que não me convence de que você está falando a verdade.
De fato. Nem eu mesma confiaria em mim naquelas circunstâncias. E o general ainda não sabia nem um terço de toda a história.
Ele não sabia que eu era hyberniana por nascimento, embora não o fosse em espírito.
Hybern, a oeste de Prythian, representava tudo o que eu mais desprezava. A brutalidade desmedida, o incorrigível senso de superioridade. Eu havia conhecido praticamente toda a sua população e era capaz de contar nos dedos das mãos aqueles que eram aversos ao estilo de vida levado. Hybernianos eram corrompidos pelo ódio e pela ganância ainda no berço. E eu, tendo nascido no centro de tudo aquilo, provavelmente também teria me tornado um monstro se não fosse por minha mãe, que me ensinou a ser diferente das bestas ao meu redor. Minha mãe, que teve as asas arrancadas como punição por ter me ensinado a tocar violino. E cuja vida foi tirada por ter ousado ser uma mulher de boa índole em meio ao que a raça feérica tinha de pior a oferecer.
E o pior, uma vez que Valec estava morto, era Ygnnor.
- O filho do Rei nasceu trezentos anos atrás - contei a Cassian - E é a cópia escarrada dele. Toda a devassidão e sadismo foram passados para ele. Ygnnor consegue ser ainda pior do que o pai, general. E é mais poderoso que o Rei jamais foi.
Cassian se remexeu, inquieto.
- É realmente difícil acreditar nisso. O maldito possuía um poder enorme.
Ah, se ele soubesse.
Ignorando os sussurros da luz, que naquele momento me trazia lembranças dolorosas de meu tempo como prisioneira, neguei com um gesto.
- O poder do Rei pertencia ao Caldeirão, em sua maioria. Ele era mais dependente do artefato do que você pode imaginar. Os feitiços, sim, eram uma arma que ele mesmo possuía.
- E o filho? - Cassian quis saber.
- Além de manejar os mesmos encantamentos que o Rei, Ygnnor possui poder real, físico.
E, encarando os olhos avelã do Illyriano, completei:
- Ygnnor nasceu com o poder de um Grão-Senhor. E só Feyre Archeron e Rhysand podem realmente dizer que são mais poderosos que ele. Talvez nem mesmo Feyre.
As grandes mãos de Cassian se fecharam em punhos.
- E agora ele quer vingar a morte do pai - constatou.
- Destruindo Prythian - concordei - e devastando as terras humanas para escravizá-los. E, por fim, fazendo de Hybern o único território feérico a permanecer de pé. Ygnnor vai dizimar tudo, Cassian.
"Por favor, traga seu Grão-Senhor até mim. Antes que seja tarde demais."
O que eu não disse - o que eu não podia dizer - era que Ygnnor devastaria tudo não só por vingança e ganância. Não restaria pedra sobre pedra até que o herdeiro de Hybern conseguisse enfim recolocar as mãos sobre mim. Ele não pararia até me ter de novo sob seu domínio.
Enquanto Cassian e eu chegávamos a um acordo, eu segurava o cordão em meu pescoço tal qual um náufrago seguraria uma prancha de madeira em mar aberto. Ali, na ponta de uma tira de couro Illyriano, um pequeno recipiente de cristal guardava as gotas que, um dia, talvez fossem minha única saída caso eu continuasse tentando frustrar os planos de Ygnnor.
Porque eu tiraria minha própria vida antes que Hybern tivesse a chance de me capturar mais uma vez.

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