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"Sangue por sangue
E alma por alma
Juntos isso foi feito
E somente juntos
Poderá ser desfeito
Seja a ponte, seja a luz."
- Música de Victoria Carbol

•••

Foi estranho como os sonhos me encontraram naquele dia. Era tão raro... Ao menos, daquela vez, não eram pesadelos. Sonhei que Azriel surgia em meio a sombras, segurando não uma espada e sim uma rosa branca, e que, no centro de seu peito, logo abaixo do Sifão cobalto, havia outro. O Sifão dourado de minha mãe. Não entendi o que aquilo significava, não consegui chegar até ele ou chamá-lo para que viesse ao meu encontro, só o que pude fazer foi observá-lo enquanto caminhava lentamente em minha direção. Tão, tão lentamente. Parecia que jamais chegaria até mim. E quando, por fim, ele chegou, seu rosto se iluminou com um sorriso que raramente se via nele. Ele sorriu olhando diretamente em meus olhos e então sussurrou: Sempre.
Infelizmente aquela palavra - aquela promessa - foi justamente o que me despertou do belo sonho, uma vez que me fez recordar do momento em que ela verdadeiramente fora dita por Azriel, quando ambos estávamos caídos aos pés de nossos amigos, pouco antes de desmaiarmos. Acordei desejando que pudesse voltar a dormir unicamente para descobrir como aquele sonho terminaria... Porém lembrei de minha mãe, dizendo que não valia a pena viver sonhando e, assim, esquecer de viver a vida real. O sonho com o perfeito Azriel que me olhou e sorriu era ilusório, minha realidade era outra. Era nisso que eu pensava quando sentei na cama - obviamente eles tinham me levado para a mansão - e vi Reveladora da Verdade repousando sobre a mesa de cabeceira. O modo de Azriel dizer que me perdoava por tudo, mas, principalmente, por ter transado com outro macho e deixado todas as barreiras abertas para que ele visse tudo de camarote.
A senhora dormiu por muito tempo.
Levantei de um salto, tropecei nos lençóis e só não caí porque uma mão curvada em garras se fechou em meu pulso e me segurou. Como diabos Bryaxis tinha entrado ali eu não fazia questão de saber, mas com certeza o silêncio absoluto no restante da casa se devia à presença dele. Cassian, ao menos, não ousaria chegar perto daquele quarto. O toque frio da mão de Bryaxis teria me feito recuar caso ele não me segurasse com tanta firmeza a fim de evitar minha queda, e, ainda assim, mesmo com tamanha frieza, seu toque conseguia ser de alguma forma reconfortante.
- Há quanto tempo está aqui? - perguntei, me afastando e tornando a sentar na cama - Ou, melhor dizendo, por que está aqui?
Bryaxis deslizou de volta para o canto em que estava antes.
Achei que a senhora não retornaria ao fosso tão cedo e quis vê-la com meus próprios olhos. Me certificar de que estava bem.
Deixei que uma careta se formasse em meu rosto.
- Não sabia que a ironia era típica de sua espécie - comentei.
Não existe "a minha espécie". Sou único.
- Todos somos. Alguns apenas são mais do que outros - rebati, devolvendo a frase que ele mesmo me dissera no dia em que nos conhecemos.
Mas de fato era uma surpresa saber que o Medo podia ser sarcástico. Uma ova que ele queria se certificar de que eu estava bem, tudo o que desejava era jogar na minha cara que estava certo. Como Amren, mesmo sendo uma criatura cuja idade nem se poderia ser definida, ele também podia bancar a jovem fofoqueira.
Entendeu agora que o macho pertence a você e que você pertence a ele?
Cretino sorrateiro.
- Diga logo a frase que quer tanto dizer, Bryaxis.
Como queira, minha senhora. Eis aqui: Eu avisei.
Apesar do ridículo de estar tendo tal conversa com a personificação do medo - francamente, ele não deveria ser mais maduro? -, fui forçada a sorrir.
- Há quanto tempo está aqui, meu amigo? - repeti.
Não somos amigos, minha senhora. E, respondendo sua pergunta, estou aqui desde que o Grão-Senhor a trouxe.
Franzi o cenho, um tanto confusa.
Indiquei Reveladora da Verdade.
- Mas então quem colocou a faca aqui?
Seu parceiro.
- Quando?
A senhora bateu a cabeça? Devo chamar a Curandeira de volta?
Sarcástico de novo. Bryaxis podia ser mais divertido do que eu jamais teria suposto. Cassian ficaria surpreso. E provavelmente assustado também.
- Azriel esteve aqui mesmo que você estivesse aqui?
Eu sempre havia achado que era impossível que Bryaxis demonstrasse emoções faciais como uma criatura normal, mas foi divertimento o que vi em seus olhos vazios quando ele disse:
O Encantador de Sombras entrou envolto pela escuridão, como se fosse um manto protetor, e sequer olhou em minha direção. Estava com medo e obviamente preferia não tentar entender a relação estranha que tenho com a senhora, mas continuou andando até deixar a faca ao seu lado e depositar um beijo em sua testa. Depois, claro, saiu correndo como se sua vida dependesse disso.
- E dependia?
Eu jamais machucaria alguém de vital importância para a senhora.
- Isso inclui não os assustar?
Bryaxis mudou sua forma e assumiu os contornos de Cassian, com asas e tudo.
Não, respondeu.
E eu, maldita fosse, ri.

Corte de Amor e SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora