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"Não sei ao certo se acredito em destino. Mas posso dizer que às vezes aquilo que você mais deseja vai cruzar sua porta determinado a te evitar a qualquer custo. E, ainda assim, de algum jeito, você descobre que é o suficiente para fazê-la ficar."
– A Seleção, Kiera Cass.

•  •  •

    — Onde está Valerie? — Feyre perguntava a alguém quando pisei na soleira da porta da mansão. 
    Eu havia desaparecido por mais de cinco horas sem dar qualquer explicação, tempo mais do que suficiente para que aqueles que se reuniam a Thesan e Helion retornassem, e para que Cassian estivesse irritado por ter precisado assumir meu turno de vigília no acampamento. Eu o cobriria da próxima vez, porque era preciso fazer o que eu planejava o quanto antes. Para que todos vissem e entendessem que eu não estava para brincadeiras. 
    Andei em direção ao grupo que comia apressadamente e sentei à mesa entre Cassian e Amren, degustando o silêncio que repentinamente recaiu sobre todos. Não falei absolutamente nada, não dei explicações, apenas esperei que um deles demonstrasse o que estava pensando ao me ver chegar trajada com um vestido esvoaçante semelhante aos de Morrigan, que deixava visível ombros, peito, braços e costas, meus cabelos bem presos em uma trança de modo a não ocultar nada. Minha pele agora estava marcada, pelo resto de minha vida, com os símbolos do povo de minha mãe. Como Rhysand, Cassian e Azriel, eu agora carregava as tatuagens do povo Illyriano, permanentes marcas negras que subiam pela extensão de minhas costas e cobriam toda a pele de meus braços e ombros, e parte do pescoço, gritando ao mundo que eu era muito mais do que uma Grã-Feérica possuidora de grande magia, eu também era uma Illyriana e tinha total direito de estar ali. 
    Não era, no entanto, o que eles pareciam pensar.
    — Acho que você está levando seu trabalho a sério demais, Valerie — Mor brincou, mas preocupação cintilou em seu rosto ao mirar Azriel. 
    Peguei os talheres e comecei a comer, calada, aguardando.
    — Bem, não se pode dizer que você não gosta de causar impacto — Rhysand riu. Só que era um riso falso — Nunca antes uma fêmea Illyriana recebeu as tatuagens, que dirá uma Grã-Feérica. Acho que você está realmente determinada a conquistar a raiva deles, cara Valerie.
    — Mas vem cá — Cass interferiu — Nenhum tatuador teria aceitado fazer isso. Como conseguiu?
    Sorri minimamente. 
    Cassian, o macho que pensava saber da verdade sobre mim, que achava que um dia eu tinha possuído asas, que desconfiava que eu fosse Illyriana ou, então, de alguma outra raça capaz de voar.
    — Encontrei um que não teve escolha — respondi — Descobri um segredo que ele queria manter escondido e o obriguei a fazer as tatuagens. Ele até tentou fazer as marcas erradas, mas desistiu quando falei que fritaria seu cérebro.
    — E você por acaso pode fazer isso? — Amren perguntou, cética.
    — Não. Mas o Illyriano não sabia disso.
    — E você manteve o segredo dele? — o general quis saber.
    — Claro que não. O filho da mãe está dormindo com a sogra, não pude me forçar a manter isso guardado.
    Feyre, largado seus talheres, suspirou.
    — Então mais um inimigo conquistado.
    — Isso é o que eu mais tenho — garanti, indiferente.
    Eu não esperava que a reação deles fosse ser outra quando busquei por um tatuador que aceitasse me tatuar — mesmo que obrigado. Eu conseguia visualizar cada rosto no momento em que vissem o que eu tinha feito, cada palavra que eles diriam. Cassian acharia um máximo, crente de que era uma provocação mais do que qualquer outra coisa... O que não deixava de ser verdade; Feyre ficaria receosa de que isso prejudicasse ainda mais meu relacionamento com os Illyrianos, o que também não estava errado; Morrigan acharia audacioso e, portanto, maravilhoso, mas não deixaria de se preocupar também; Amren não ligaria a mínima, porque aquela era Amren; Rhysand ficaria um tanto ofendido por me ver utilizando a tradição de seu povo com tanta displicência, mas apenas por um tempo, porque aquele, afinal, era Rhysand; e Azriel... Ele ficaria frustrado, e confuso, porque não via sentido em querer marcar na pele os símbolos de um povo brutal, selvagem e preconceituoso, um povo que tanto mal havia feito a ele e seus irmãos, uma vez que ele mesmo, sendo um Illyriano, só havia feito as tatuagens por consideração a Rhysand e Cassian. Ele seria o único a ficar verdadeiramente irritado com minha decisão, e ainda assim seria o único a não demonstrar nada.
    — Elas são diferentes — Elain disse. Quando elevei uma sobrancelha em questionamento, ela explicou: — As tatuagens. Elas não são iguais às que todos os Illyrianos têm. O que significam?
    — A tradição requer que todo Illyriano que passar pelo Rito de Sangue marque sua pele com os símbolos que representam Sorte e Glória, para que tenham ambas durante as batalhas que travarem — falei — Eu não acredito em sorte e não almejo a glória como a maioria dos homens, então tatuei luz — indiquei as tatuagens do lado direito do corpo — e sombras — completei, erguendo o braço esquerdo. 
    — Por quê?
    — Para mostrar que a luz é plenamente capaz de protegê-la das trevas — Rhysand, me encarando com dúvida, adivinhou.
    Talvez eu não devesse ter mencionado o Rito de Sangue... Uma Feérica hyberniana não deveria saber sobre ele.
    — E para que todos saibam que não tenho medo da escuridão — concluí.
    Voltei a comer como se nada tivesse acontecido, apenas pedindo que me contassem como havia transcorrido a reunião com os Grão-Senhores. Helion já tinha tomado sua decisão desde que estivera em Velaris, disseram, mas Thesan ainda estava relutante. Não tinha provas de que Ygnnor existia e também não estava certo de que a Corte Noturna, mesmo depois de tudo, era inteiramente confiável, uma vez que durante séculos a reputação dela não tinha sido das melhores. Sugeri que eu fosse até ele, já que não havia prova mais concreta do que minha existência, mas Feyre garantiu que por ora não seria necessário, talvez futuramente, quando conseguíssemos reunir todos os Grão-Senhores, e eu pudesse contar uma única vez a minha história. Eles não queriam que eu me expusesse mais do que o necessário, percebi. Rhysand completou dizendo que Helion Quebrador de Feitiços tinha me enviado um recado. Pasma, peguei o pedaço de pergaminho que ele conjurava e travei a mandíbula para me impedir de gargalhar.

Corte de Amor e SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora