Seu rosto de expressão tão séria estava voltado para o alto, seus olhos mirando a tempestade que se aproximava, as nuvens carregadas e escuras ao longe. Seu próprio semblante parecia conter ares tempestuosos.
Alguns dias tinham se passado desde que Hybern caíra. E, desde então, ninguém vira Nestha em lugar algum, em Velaris ou fora dela. Az e eu podíamos tê-la encontrado, mas chegamos à conclusão de que ela não queria que fizéssemos isso. Quase tanto quanto Feyre, Rhys, Azriel e eu, Nestha tinha passado por emoções grandes demais para que coubessem em seu coração, e merecia um tempo para assimilar tudo o que havia acontecido. Seu poder... Vida e Morte. Não era algo pequeno para ser controlado e entendido, e não era difícil de compreender suas motivações para partir por algum tempo.
Eu a encontrei, ao final do sexto dia, sentada sobre um telhado na parte mais discreta de Velaris, os ombros tensos enquanto aguardava pela chuva. Imaginei se seu plano era ficar até que estivesse completamente enxarcada, se queria descobrir se, além de lavar seu corpo, a chuva seria capaz de limpar também sua alma. Não esperei que me convidasse a sentar ao seu lado — sabia que ela não convidaria —, apenas me joguei ali perto e observei as nuvens.
— Lindo, não é? — questionei, sem prestar muita atenção a ela.
Seu rosto ficou ainda mais sério quando ela o voltou em minha direção, mas agora trazia um questionamento mudo também.
— O fim do dia não deve ser apreciado só quando um belo sol está se pondo — dei de ombros — É preciso apreciar o fato de que estivemos vivos para ver esse dia chegar ao fim, Nestha. Mesmo um tempestuoso como o de hoje.
Ela não respondeu, é claro. Mas eu não esperava que o fizesse, estava ali para falar e não para ouvir.
— Sabe, essa tarde eu não pronunciei uma única palavra, não estive em companhia de absolutamente ninguém. Parti para as montanhas Illyrianas e fiquei sentada ao lado do túmulo da mãe de Cassian, em silêncio, deixando que a Percepção voasse nas direções que bem entendesse. E então observei tudo o que acontecia por aqui. Eu vi Elain furando o dedo nos espinhos de uma roseira, e sorrindo ao ver quão bonito pareceu o sangue vermelho sobre as pétalas brancas da flor. Eu vi quando Feyre acariciou a barriga ainda plana, ao mesmo tempo em que desenhava um menino de cabelos castanhos e olhos violetas. Vi quando Morrigan foi cavalgar, e seus olhos pareciam percorrer todos os lugares em busca de algo, ou alguém, como se ela desejasse rever. Eu vi Azriel voando baixo com Céline, e Cassian os acompanhava, incentivando a menina a ir mais alto, mais rápido, melhor. Vi também Rhysand, supervisionando a reconstrução da Cidade Escavada, e ele parecia tão irritado com a lentidão proposital dos trabalhadores que eu ri sozinha, pensando que eu provavelmente teria aterrorizado aquelas pessoas até que trabalhassem mais rápido que um raio. E eu também vi você, claro, mas não foi proposital. A Percepção a encontrou e eu recuei o mais rápido que pude, mas não antes de ver algo. Você estava chorando, Nestha. Eu vi.
Puxei a magia para fora de mim e invoquei um objeto que durante um bom tempo vinha sendo guardado em bolsões de poder.
— Eu o peguei emprestado de Feyre, e algum instinto me impediu de devolvê-lo. Acho que hoje entendo o motivo. Quando olhei para ele, vi o início, o meio e o fim, vi cada partícula de mim mesma, cada faceta terrível e cada detalhe bom. Não é possível ocultar nada dele, e é por isso que causa horror a todos.
Levantei, estiquei os braços e abri as asas.
— Aprecie a vida, Nestha, porque ela é um sopro. Mesmo para seres como nós. Há uma semana quase perdemos alguém de extrema importância para todos nós. Então aprecie. Sinta. E viva. Um dia de cada vez.
Parti deixando Nestha para trás, tendo certeza absoluta de que, como eu, ela olharia para aquele espelho e entenderia um pouco mais de si mesma.
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Corte de Amor e Sangue
FanfictionO Rei Hyberniano está morto. Elain e Nestha Archeron certificaram-se de que fosse assim. Mas o que as irmãs, bem como Feyre, Rhysand e os demais Prythianos, não sabem, é que Hybern tem herdeiros. E Ygnnor, o mais velho dos dois filhos do Rei Valec...