"A história é feita por aqueles que quebram as regras."
- Filme Homens de Honra• • •
Estávamos ali deitados, contemplando o teto, havia muito tempo. Não dissemos ou fizemos nada, afinal não havia nada a ser dito ou feito naquele momento. Pela primeira vez em uma vida - setenta anos para mim, quinhentos para ele - as coisas pareciam estar no exato local ao qual pertenciam. Todo o resto tinha ficado fora das paredes daquele quarto, impedidas de nos encontrar e atingir. Não havia Ygnnor, Morrigan, Prythian ou Hybern; não existia mais infância dolorosa ou coração em sofrimento. Éramos apenas Azriel e eu, e o laço que finalmente fazia sentido em nosso peito. Tudo estava em seu lugar agora e eu não poderia estar mais feliz. Eu terminaria aquela guerra e sobreviveria para contar às próximas gerações sobre o amor que tinha levado a todos nós a vencer. Hybern era ódio... E agora eu era o amor. E destruiria a todos que tentassem me impedir de vivê-lo.
E minha decisão anterior permanecia: Eu esperaria durante a eternidade, mas um dia ouviria as palavras que tanto desejava. Um dia, Azriel seria capaz de olhar em meus olhos e dizer que me amava.
Sua mão deslizou por meu cabelo, até a nuca, e ele acariciou um ponto ali.
- De onde veio essa tatuagem? - perguntou.
Ah, sim...
Expliquei que o estranho símbolo - que eu mantivera escondido até então - era uma marca dada a mim por Bryaxis, em um idioma que eu desconhecia, mas que, graças à Percepção, eu sabia significar "entre mundos". Aquela pequena tatuagem dourada era o que me ligava à criatura, algo que eu preferia ver como uma ligação entre amigos, embora Bryaxis não concordasse muito comigo. Azriel novamente demonstrou confusão com minha relação com o Medo, mas não questionou, apenas assentiu e voltou a acariciar meu pescoço.
Permaneci deitada em seu peito - divinamente esculpido pela Mãe -, com uma preguiça boa, até que uma batida potente se fez ouvir na porta.
- Tudo bem, já chega de putaria - Cassian falou lá de fora - Demos a vocês tempo suficiente para "se conhecerem". Será que agora podem sair para que possamos voltar à guerra?
Gemi com frustração enquanto Azriel dizia:
- Vá embora, Cassian.
Cass gargalhou.
- Nem pensar. Eu fui o escolhido para a árdua missão de fazer vocês dois voltarem ao mundo real, então façam o favor de saírem daí. Temos uma guerra para vencer.
Trocamos um olhar de quem sabia que ter sido "escolhido" significava que Cassian havia feito questão de ser aquele que iria nos interromper.
- Temos uma guerra para vencer! - ele repetiu, dessa vez de forma mais dramática.
O que ele não precisava dizer era que a guerra a ser vencida era contra um Príncipe que naquele exato momento deveria estar possuído pelo próprio demônio.
Soltei um suspiro cansado e tentei levantar, mas Azriel me puxou contra seu peito e me impediu de sair. Eu não reclamei, claro. Ele ordenou que Cassian fosse embora e garantiu que em breve sairíamos, entretanto, nosso amigo não nos deixou em paz antes de dizer que, caso demorássemos mais do que dez minutos, ele voltaria e derrubaria a porta. Eu realmente não duvidava que ele fosse fazer isso, afinal aquele era Cassian. Só que isso não nos impediu de continuar ali abraçados por mais algum tempo. Mentalmente eu controlava a passagem dos minutos, então eu sabia que apenas sete tinham se passado quando uma pancada muito forte fez com que a porta do quarto caísse das dobradiças direto para o chão. Meu corpo saltou do colchão pelo susto e a asa de Az imediatamente se dobrou sobre mim para esconder meu corpo de Cassian, que estava parado onde antes havia uma porta, sorrindo em triunfo.
- Cassian! - Azriel urrou, mas não podia se mover, não se quisesse que o outro continuasse sem ver nada.
- Eu avisei que faria isso - Cass disse com toda a inocência que ele definitivamente não tinha.
- Só se passaram sete minutos.
Ri baixinho ao descobrir que, pelo visto, eu não era a única contando mentalmente o tempo que ainda tínhamos.
- O tempo é relativo, irmão. Levantem e venham para a sala de estar.
Só que ele continuou parado.
- Vá embora, então nos levantaremos.
- Não vejo problema algum em continuar aqui enquanto vocês fazem isso. Sabe, Az, eu já vi você pelado e não me impressionei nem um pouco.
Eu, sim.
Cassian estava testando os limites de um macho que tinha, pela primeira vez, se deitado com sua parceira. Os instintos de Az estavam a mil e ele não estava inclinado a brincadeiras.
Não esperei que eles começassem uma discussão ou uma briga de jovens inconstantes. Fiz com que a luz erguesse a porta de volta ao lugar e deixei Cassian do lado de fora. Rindo, ele desferiu outro soco contra ela, mas dessa vez a magia que a mantinha de pé não podia ser quebrada com simples força bruta. Meu amigo foi embora rindo histericamente e gritando que nos daria cinco minutos. O que provavelmente significava que nos daria dois, no máximo. Tomei a frente e levantei, Azriel adiando um pouco mais o inevitável, e por fim saímos do quarto. Nossos passos eram lentos como os de uma tartaruga e curtos como os de uma formiga. Não queríamos passar por aquela última porta que nos levaria à sala de jantar e, consequentemente, à vida real. Aquela porta delimitava duas verdades que não queríamos que se misturassem: Um amor recém-descoberto, de um lado, e a guerra, do outro. Quando passássemos por ela a aura de felicidade e paz que nos envolvia seria quebrada e novamente nos veríamos jogados em meio à luta contra Hybern.
Mas não foi com a guerra que primeiro nos deparamos, e sim com nossa família. Estavam ali, relaxadamente sentados em poltronas, bebendo casualmente. Puro fingimento. Cada um deles parecia mergulhado em uma aura eletrizante, como se estivessem na expectativa de saber se daquele quarto sairiam duas pessoas diferentes das que haviam entrado. Ou só por pura curiosidade mesmo. Entramos na sala de mãos dadas, sabendo que o cheiro exalando de nossos corpos seria inconfundível: Sexo e parceria. Ignoramos os olhares curiosos e apenas sentamos na única poltrona disponível, eu no assento, ele no apoio para o braço.
Não éramos pessoas diferentes ao sairmos do quarto, porque já tínhamos mudado antes de entrar nele. E acho que meus amigos viram isso enquanto nos analisavam, perceberam as mudanças sutis que indicavam que agora as coisas não eram mais as mesmas. A mão protetora que Azriel mantinha sobre meu ombro, a minha própria depositada em seu joelho, a asa que me envolvia por trás da poltrona. Muito mais: A mudança estava entranhada em nós dois, porque agora o laço de parceria corria por todo o nosso corpo, vívido como uma chama ardente, se entrelaçando em nossas próprias essências. Por muito tempo ninguém falou nada, era como se aquele momento fosse valioso demais para ser quebrado com palavras. E eu entendi que realmente era. Pela primeira vez, Rhysand e todos os outros estavam vendo Azriel de uma forma completamente nova, viam nele uma esperança que nunca tinham enxergado, uma nova luz que parecia nascer nele. A minha luz, que aos poucos, desde que nos conhecemos, vinha se infiltrando pelas frestas da escuridão de Az. Havia muito tempo, eu vira na mente de todos eles uma certeza: A de que Azriel amaria Morrigan até que o mundo não passasse de poeira em meio às estrelas. O quão maravilhoso não era para todos eles ver que meu parceiro enfim estava próximo da felicidade que tanto tinha buscado? Eles estavam felizes por mim também, é claro, mas era diferente; mesmo que fossem meus amigos, e Rhys meu primo, era ao lado de Azriel que tinham vivido nos últimos quinhentos anos, era com ele que tinham lembranças profundas, felizes e dolorosas, e era pelas mudanças visíveis nele que todos agora sorriam. Eu me perguntava o quão aliviada Mor estaria se sentindo... Não porque enfim estava livre do remorso de ter em suas mãos um coração ferido, mas porque um de seus sonhos estava se realizando: Ver Azriel encontrando a felicidade que merecia.
O momento de silêncio só foi interrompido quando Amren disparou "como sempre, eu estava certa", e se retirou para pegar vinho.
- Um dia, bruxa, eu ainda arranco os seus miolos - ameacei, mas internamente eu sorria.
- Antes disso comerei os seus no jantar, menina.
Aquilo era apavorante pelo simples fato de que eu não duvidava nem um pouco da capacidade de Amren de fazê-lo.
Ninguém tocou no assunto da minha tentativa de me entregar a Ygnnor como um sacrifício de guerra, era bastante evidente que queriam fingir que aquele episódio não tinha ocorrido: A única tentativa de Cassian em falar do assunto foi rechaçada por um simples olhar de Azriel. Ele não estava muito disposto a ouvir o nome do Príncipe, o que era bem problemático, já que realmente precisávamos pensar no que aconteceria a seguir. Ter tomado a decisão de me matar provavelmente tinha sido a coisa mais difícil que Ygnnor já havia feito, e com certeza fora bem inesperado: A jogada que ninguém teria previsto, muito menos eu. Ter me tido em mãos por duas vezes e me ver escapando por entre seus dedos... Ygnnor estaria fora de si, eu não tinha qualquer dúvida quanto a isso. Supor quais seriam seus próximos passos era algo que não estava mais ao meu alcance, não depois de ele ter jogado tudo pelos ares e tentado me matar; e, se eu não podia mais adivinhar o que ele faria, estávamos em maus lençóis.
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Corte de Amor e Sangue
FanfictionO Rei Hyberniano está morto. Elain e Nestha Archeron certificaram-se de que fosse assim. Mas o que as irmãs, bem como Feyre, Rhysand e os demais Prythianos, não sabem, é que Hybern tem herdeiros. E Ygnnor, o mais velho dos dois filhos do Rei Valec...