Capítulo 03

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Neste capítulo, a Dehayne (se lê Derraine, okay, people) narra um pouco da história dela.

Dehayne

Os primeiros raios de sol entram pela janela do meu quarto, anunciando uma manhã ensolarada e que um certo ser humano deve levantar para ir à escola. Em vez disso, cubro meu rosto com um travesseiro, enquanto alguém abre às cortinas.

Não dá pra acreditar que hoje ainda é sexta feira. Encaro o despertador sobre o criado-mudo pronto para soar outra vez. Eu deveria jogar essa coisa no vaso.

- Dehayne, acorda. Tome banho e desça pra tomar café. Lamento dizer que está atrasada - a governanta informa, puxando o meu lençol e toda a roupa de cama.

- Chegar atrasada à escola não é bem uma novidade, Brigity. - Reviro os olhos, ignorando-lhe.

- Seu pai está em casa. Isso é algo interessante.- Sorri convencida.  Mostro à língua a ela, porque sei o quanto Brigity odeia lidar com pessoas desprovidas de bons modos.

- Dehayne, não faça mais isso. - A mulher fita-me com desgosto. - Seu pai tem sérios problemas. - Sai do quarto com o ar de quem perdeu uma discussão e não tem argumentos para revidar.

Deito-me na cama me sentindo vitoriosa. Isso até o meu pai chegar e acabar com a minha festa.

- Dehayne, você já sabe. Eu não vou falar de novo - brada o meu pai, logo que adentra o meu quarto, muito aborrecido.

- Eu não quero ir a lugar algum - grito.

- Eu não te perguntei nada - grita de volta. - Já para o banheiro. - Aponta com o indicador na direção do banheiro. - Eu estou atrasado para um compromisso muito importante, e você não ajuda em nada.

- O Theo pode me deixar na escola como sempre faz todas os dias. Pode ir fazer seja lá o que for tranquilo.

- Depois de deixar a Srta. na escola, eu vou resolver os meus problemas.

- Por que essa preocupação toda comigo agora? - indago temendo a resposta afiada que ele vai me dar.

- Quero ver como estão às suas notas. E já adianto que se o que eu ver não for satisfatório, esqueça a viagem pra França.

- Pai, não pode fazer isso comigo. Eu vou à França visitar a minha tia com ou sem o seu consentimento - choramingo inconformada.

- É o que veremos. - Ele fita o rolex em seu pulso, checando o horário.

- Pai, por favor...

- Desça em dez minutos. - O olhar austero do homem à minha frente me causa arrepios. Engulo em seco, recusando-me a derramar uma única lágrima diante dele. E mesmo altamente contrariada me dirijo até o banheiro.

*****

Se o meu pai se importasse comigo e me conhecesse, de verdade, saberia que eu odeio estudar. Que eu não suporto receber ordens, detesto Dallence, a esposa dele e os pestinhas que ele considera mais seus herdeiros do que eu. Imagino que esse  sentimento seja recíproco.

- Deixa só o meu pai ver o que vou fazer quando completar dezoito anos. - Penso alto, enquanto visto o meu uniforme escolar. Uma blusa branca com mangas longas e abotoada até o pescoço -, algumas alunas deixam o decote bem a vista, eu prefiro algo mais peculiar -, e uma saia preta rodada, meia-calça, tênis e um blazer da mesma cor.  

Além do material escolar, ponho também na mochila um estojo de maquiagem pra me maquiar no carro, porque agora não dá tempo e um exemplar que a minha mãe me deu - NADA É POR ACASO. Era o seu livro favorito. E a única lembrança que tenho dela.

- Ainda não está pronta? - Meu pai parece ainda mais irritado que antes.

- Eu estou - murmuro secamente sem encará-lo.

- Pois bem, vamos descer.

Sigo-o até à garagem sem pronunciar uma única palavra. Oferecer resistência não é a solução mais apropriada, no momento. Inventar uma doença talvez daria certo se eu tivesse lidando com a Victoria, minha madrasta. Ela é uma retardada. Cairia fácil. Agora o meu pai é diferente. Ele sabe reconhecer uma farsa quanto está diante de uma.

- Quando chegar à escola trate de providenciar um café da manhã, estamos entendidos, Dehayne. - Alinha o retrovisor de um jeito que dá pra ver tudo o que faço no banco de trás, e eu odeio isso.

- Não estou com fome - meu tom de voz não sai amigável.

- Quando eu falar com você e a senhorita não tiver nada de coerente pra dizer, não diga nada. - Dou de ombros, acatando o seu conselho, mesmo que por um instante.

O trânsito está horrível. Desde que saimos de casa passamos mais tempo parados do que andando.

Aproveito o estresse para mandar mensagem pra minha amiga Briseis, avisando que vou me atrasar de novo. Pela milésima vez. Mantenho à cabeça baixa, mas os olhos atentos. E percebo que o meu pai me observa através do retrovisor. Parece estar muito preocupado com algo. Algo muito importante. Espero que não seja com às minhas notas. 

- Deveria prestar mais atenção no trânsito do que em mim - resmungo baixinho, fazendo-lhe desviar o olhar de mim rapidamente.

- Eu sei bem para onde devo olhar. E pensando bem, acho que está mais que na hora de você ter um segurança particular. Deve-se lembrar que você é a herdeira do meu império.

Meus lábios se contraem várias vezes,  mas não consigo dizer nada. Isso não pode ser verdade, meu Deus. Que pesadelo.

- Mas tem que ser um homem de minha confiança. Plena confiança - diz mais para si mesmo.

- Não. Não pode fazer isso comigo, pai! - exclamo apavorada ao pensar na possibilidade de ter alguém seguindo os meus passos onde quer que eu vá. - Moramos em Dalence. O que poderia acontecer? - argumento. Muitas coisas se eu levar em consideração à minha paternidade e tudo o que me cerca. Mas prefiro pensar que os inimigos de meu pai não estão interessados em fazer mal a herdeira dele.

- Quer mesmo que eu liste o que pode acontecer se continuar bancando à rebelde desinteressada do patrimônio que lhe é de direito?

- Não, eu não quero. - Dou de ombros, irritada. - Quero que me deixe em paz. Pode fazer isso? - Logo que a Mercedes prata adentra o portão da Álvares de Alburquerque, abro a porta do carro e saio correndo pra minha sala. Ele não me segue. Se encaminha para a diretoria a passos largos, mantendo sempre uma postura imponente e intimidadora. E uma única dúvida paira na minha cabeça. Por qual motivo eu precisaria de um guarda-costas?

Isa.

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