O céu alaranjado anuncia a partida do sol quando me sento no banco do parquinho. Olho para o lado e distante entre os brinquedos há várias crianças brincando com suas mães a poucos metrôs as observando. Dentre todas há um pai que cuidadosamente limpa o joelho de sua filha que acabará de cair do balanço. Depois de secar suas lágrimas e de um beijo na testa a menina volta ao brinquedo enquanto o pai a olha com um lindo sorriso. No meio de tantas mães apenas um pai, dedicado e amoroso.
Não sei... Talvez se ela estivesse aqui seria diferente. Talvez eu fosse mais delicada, menos marrenta. Ela me ensinaria como usar maquiagem e me compraria saltos. Iríamos juntas para o salão de beleza e seria... Talvez ele me visse com outros olhos, ou tivesse coragem de falar o que toda vez fica preso em sua garganta. Mas como dizer, uma menina marrenta? Talvez um pouco intimidadora, mas não é o que ele gostaria. Sim uma menina doce e gentil, frágil e dependente. Tudo que não sou.
Tenho certeza que é isso, não sou o ele gostaria que eu fosse. Por isso ele não fala e deixa tudo preso. Guilherme disse que isso quer dizer que ele não me merece e tem toda razão, não vou mudar por ninguém. Sou assim e me orgulho. Com ela seria diferente, mas talvez não gostasse do diferente.
— Quer conversar? — Apenas faço que não com a cabeça. — Ela faz falta? Sua mãe? — Faço que não outra vez. — Então por que essas lágrimas? — Respiro fundo e fecho os olhos, as lágrimas não se intimidam por eu estar com as pálpebras fechadas e saem sem que eu possa impedir. — Anne, sou eu! Deixa eu te ajudar? Uma vez? Você não precisa pedir, só deixar. Aproveita que não é todo dia que eu posso fazer uma chantagem e abro mão.
RI.
— Você não respeita nem minhas lágrimas? — Digo olhando para as crianças brincando.
— Claro que eu respeito, mas acho que você fica mais bonita quando está sorrindo! — Miguel se senta ao meu lado. — Começa a falar o que esta passando ai na sua cabeça.
— Não quero falar sobre isso.
— Te procurei ontem no final da festa e não te achei. Como voltou para casa? Fiquei preocupado.
— Guilherme pegou o carro do pai dele emprestado e me levou. Estava tarde e não queria te incomodar.
— É assim que vê? Entre favores e incômodos? — Ele suspira. — Por isso estava tão quieta ontem? Porque eu notei, está diferente. E se for por minha culpa preciso que me diga, para eu poder pedir desculpas. Geralmente eu sei quando estou errado e se tenho chance de redenção, mas dessa vez não sei porque está assim. — Mais um suspiro. — Se sou tão horrível assim por que ainda insiste em ser minha amiga? Quando tudo diz que não, você ainda insiste. Se está cansada, cospe toda a verdade na minha cara e me manda ir embora de vez, não suporto te ver assim.
— Não é isso. As vezes as palavras não saem... Por mais fácil que pareça. Não sou tão forte, as vezes posso querer desistir. É que você não entende.
— Tudo bem, então vamos vencer isso juntos. Troco uma pergunta por outra. A cada uma pergunta que faz, me dá direito a outra. — Ele se senta se costas para mim. Encostando a sua na minha. — Me dá uma chance de te ajudar, sabe que falar não é o meu forte. Quero te ajudar, mas não leio pensamentos. Minha bola de cristal também quebrou e sabe como é.
Rimos.
— Ela é sua amiga? — Não sei o que estou sentindo, mas quero me livrar. Me faz mal.
— Sim. Nos conhecemos quando criança, talvez ela tenha me ajudado a concerta um certo coração partido. — Ele brinca. — Sente falta da sua mãe?
— Não tem como sentir falta do que nunca teve. Só penso que... Talvez poderia ser diferente. Eu poderia ser diferente. Gosta dela?
— Sim. Só como amigo. Tenho um grande carinho por ela, foram anos de amizade. Já pensou em procurar sua mãe?

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Arianne
Spiritual(ROMANCE CRISTÃO) Uma jovem cristã apaixonada por Deus e pela música, tem seus planos de férias alterados e se depara com algumas situações em que seu jeito explosivo a coloca em situações complicadas... O que sempre acontece quando as suas convicç...