cap. 1 | mio

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Mio

Perfeição: É um conceito que deriva do latim, perfectĭo, e que se refere à condição daquilo que é perfeito. Perfeito, por sua vez, é aquilo que não apresenta erros, defeitos ou falhas. Trata-se de algo/alguém que alcançou o mais alto nível numa escala de valores. Adoramos a perfeição porque não podemos tê-la. Odiaríamos se a tivéssemos. Porque o perfeito é desumano, e o humano é imperfeito.

Piso pela primeira vez na cidade de Metroville as duas horas de uma tarde ensolarada. O voo é exaustivo, chato e desgastante. Me sinto tão cansado da viagem, que entro no primeiro táxi que encontro à beira do aeroporto.

– Academia ALFA. – Aviso para o motorista.

Leva pouco mais de meia hora para chegar ao meu destino. Trata-se de um prédio enorme, retangular e extenso. Como eu descreveria em poucas palavras: Caro, moderno e arrebatador. Não fico surpreso, considerando que é um dos melhores colégios do país.

O taxista me leva até a entrada, o que poupa toda a caminhada pelo gramado gigante repleto de alunos desconhecidos. Depois que o pago, sou deixado completamente sozinho na calçada com as minhas malas. Não demora muito até que um homem de meia idade apareça e me dê boas-vindas. Logo depois ele me guia até a ala leste, onde de acordo com o folheto que eu já possuía em mãos, ficavam as instalações dos garotos.

Meu quarto fica no terceiro andar. É bastante espaçoso, com uma cama de casal no centro, criados mudos, escrivaninha, guarda-roupa de mogno branco, tela plana na parede e até mesmo um ar condicionado. Sem falar no meu próprio banheiro particular. É impressionante – e absurdamente previsível – o que o dinheiro pode comprar.

Estou morto! Me jogo sobre a cama de costas, desfazendo por completo a perfeição dos lençóis meticulosamente alisados. Sinto meu celular vibrar no bolso da calça e o pego, desanimado. O nome na tela entrega que é uma das minhas mães.

– Oi. Já cheguei. Estou vivo. Adeus. – Falo logo de cara.

Ouço minhas duas mães darem risada no outro lado da linha, o que significa que a ligação está no viva voz. Sinto saudades, mesmo ainda estando chateado com elas por me obrigarem a vir para essa escola.

– Você precisa sempre ser assim tão seco? – Flora, minha mãe número um, pergunta.

– O meu jeito normal é seco. – Respondo.

Aproveito para ligar a TV que fica de frente para minha cama. Cai automaticamente em um programa de culinária.

– E aí, gostou do seu novo quarto? – Liz, minha mãe número dois, pergunta.

– É tudo que eu sempre sonhei. Tem até um ar condicionado, sabia? Pelo menos eu já sei que nunca irei morrer de insolação.

As duas resmungam ao ouvirem meu comentário irônico.

– Mio, isso não tem graça. Já explicamos para você que essa academia é uma oportunidade incrível. Todos os estudantes que se formam nela tem um futuro brilhante pela frente, e você sabe que só queremos o melhor para você.

– Se quisessem o melhor para mim, não me obrigariam a estudar nessa escola idiota.

Liz lamenta, como se estivesse cansada. Flora precisa retomar a conversa no lugar dela:

– Você só tem dezesseis anos. Ainda vai começar o segundo ano do ensino médio. Não precisa desse drama todo.

Eu já estava cansado daquela conversa. Na verdade, cansado de tudo.

– As aulas começam amanhã cedo, então vou tomar um banho e ir dormir. Estou cansado.

Minhas mães tagarelam suas últimas conclusões finais antes de finalmente me liberarem. Deixo o celular bem longe do ouvido até elas enfim se despedirem:

Perfeitos [✓]Onde histórias criam vida. Descubra agora