cap. 3 | mio

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Mio

Desperto de manhã, meia hora antes das aulas começarem. Me livro do cobertor, ainda cansado e com um pouco de dor de cabeça, e vou direto para o banheiro. Tomo logo uma ducha rápida, escovo os dentes e visto o uniforme. Quando confiro meu reflexo pela primeira vez no dia, descubro que meu nariz está levemente arroxeado. Eu precisava confessar que o boneco da Barbie tinha mesmo uma boa direita.

Sou convocado, assim que chego no colégio, a ir direto para a diretoria. Não é uma surpresa, pois eu já imaginava que nos puniriam depois da briga de ontem. A medida que caminho pelos corredores, percebo a grande maioria dos estudantes virando a cara. Alguns até me olham, mas existe uma indiferença gritante. Eu já estava sendo tratado assim por ser um novato, mas algo parecia diferente dessa vez.

Respiro aliviado quando encontro o diretor. Ele está sozinho, o que significa que escolheram falar com cada um de nós separado. Me sento em uma cadeira acolchoada que ele mesmo oferece, de frente para sua mesa. A parede atrás é uma grande janela de vidro.

– Mio, você está sendo advertido pela briga que começou ontem, no campo de futebol. Não toleramos esse tipo de comportamento na academia ALFA. Caso receba mais duas chamadas, estará exposto a expulsão.

– Espera... – Acho que entendi errado o que acabei de ouvir. – Como assim pela briga que eu comecei? Foi o Ken que veio para cima de mim!

O diretor era um homem de meia idade. Tinha alguns cabelos grisalhos, mas sua barba perfeitamente polida o fazia rejuvenescer alguns anos. Ele me olha de maneira atravessada, como se não tivesse tempo para perder com falsas desculpas.

– Mio, você acabou de chegar na escola. Esse tipo de atitude não contribui em nada. Mentir também não.

– Quer dizer que vocês estão me advertindo, mas não ao Ken? – É tão injusto que não sei como reagir.

– Testemunhas entregaram que você começou a briga, Mio.

– Testemunhas? Que testemunhas?

O diretor dá de ombros.

– Praticamente todos os seus colegas do time.

Eu não podia acreditar. Quer dizer, eu podia. Essa escola era exatamente como Hugo havia entregado ontem em nossa conversa. Os alunos de maiores status eram praticamente intocáveis. Comandavam aos mais influenciáveis, e com isso manipulavam tudo, até mesmo quem deveria ter a autoridade.

– Isso é mentira. – Engulo em seco. – Pergunte ao treinador.

– Não costumamos envolver nossos profissionais nesses conflitos adolescentes. Enfim, nossa conversa acaba aqui. Suas mães não serão notificadas por ser o seu primeiro aviso, mas na próxima ligaremos para elas. Não se meta mais em problemas.

Sou dispensado logo em seguida, com o peso daquela mentira deslavada nas costas. Recebo mais viradas de rostos e olhares de indiferença quando vou até meu armário, pegar meus livros para a primeira aula. Quando entro na sala, logo noto os perfeitos sentados em grupo. Eles me olham com uma expressão debochada. Percebo que o lábio inferior de Ken tem um pequeno corte, mas nada que abale seu sorriso de narcisista mimado.

– Japa, o que houve com o seu nariz? – É Filipo, o amigo retardado de Ken, que provoca. Os outros alunos dão risadinha.

– O mesmo que houve com a boca do seu namorado. – Respondo seco.

Vou direto para o fundo me sentar na carteira de sempre, mas dessa vez Hugo está ocupando uma das cadeiras. Os perfeitos continuam sussurrando em seu próprio canto. Provavelmente piadas sobre como são poderosos e me ferraram logo no começo. Eu não ligava para provocações, mas a injustiça de ter sido punido por algo que não fiz é revoltante. Preciso me concentrar para me livrar daquela raiva.

Perfeitos [✓]Onde histórias criam vida. Descubra agora