cap. 27 | mio

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Mio

Engraçado. Esse último mês na academia é absurdamente comum. Até usaria a palavra "legal", para ser mais exato. E não tinha nada haver em já estarmos concluindo os trabalhos finais. Ou minha relação com Enzo estar indo bem. Ou até o fato de eu ter amigos que não queriam me esfaquear pelas costas (vulgo Vênus e Lulu). As coisas simplesmente estavam fluindo direito. Sem grandes imprevistos... Ah, lembrei o motivo! Filipo não estudava mais nessa escola (insira fogos de artifício bem aqui).

Semana passada, o professor de redação, Carlos Vidal, nos pediu para escrever um texto dissertativo encima de um livro chamado "A revolução dos bichos", do autor George Orwell. O fato de eu já ter o lido anos atrás, e da minha facilidade com as palavras, tornou a tarefa mais simples. Então, nesse exato momento, dentro de sala, estamos sendo obrigados a ler nossas redações. Dez pontos extras serão creditados para o aluno que se sair melhor.

– Glamour e Mio, vocês fizeram um ótimo trabalho. – O professor Carlos Vidal abre um sorriso. – Vai ser difícil escolher a melhor.

É isso mesmo que vocês ouviram: Glamour e Mio. Brenda podia ser a maior nerd de todas, mas eu já havia reparado que português não era muito de seu feitio. Quanto a Glamour, sua redação não havia ficado ruim, mas eu tinha certeza que outros alunos haviam se saído melhor. Talvez eu estivesse ficando surdo.

– Sendo assim... – O professor faz uma pausa dramática. – Glamour, meus parabéns!

Glamour abre um sorriso narcisista, enquanto os outros alunos batem palmas.

– Sério? – Vênus questiona o professor, segundos depois. – Até eu que não estava prestando atenção, percebi que a do Mio estava muito melhor.

– Desde quando a ralé sabe alguma coisa sobre redação? A disputa era para ver qual o melhor texto... – Glamour olha diretamente para Vênus, analisando suas roupas com deboche evidente. – Não o visual mais decadente.

Alguém no meio da sala grita "briga".

– Eu sei disso, sua vaca... – Vênus abre um sorriso. – Mas o fato é que até um chimpanzé escreveria uma redação melhor do que a sua.

É preciso que o professor silencie a sala depois disso.

– Já chega! – Ele aumenta o tom de voz. – Vênus, a redação da Glamour venceu. Ponto final. – Consigo ver Glamour dando um sorrisinho. – E não use esse vocabulário dentro de sala. Dá próxima vez te mando para a diretoria.

– Foi a senhora perfeição quem começou... – Vênus responde.

– Não interessa. – O professor encerra o assunto. – Agora vamos prosseguir com a nossa aula. Abram seus livros.

Aquilo é estranho. Tão estranho, que fico remoendo a situação pelos dias seguintes. O professor Carlos Vidal era meu favorito, já que eu realmente curtia interpretação. Ele sempre me pareceu um homem ético, disciplinado e principalmente justo. Por isso fico com aquela pulga atrás da orelha. Quando paro para pensar, percebo que tudo o que sei sobre ele, é que leciona na academia a apenas três anos. E também da sua fama entre as alunas. Ele era bonito. Provavelmente tinha uns trinta e cinco anos, no máximo. Sempre que entrava na sala, com aquele cabelo castanho jogado de lado, óculos na ponta do nariz e barba perfeitamente simétrica, podiam se ouvir os suspiros.

Estou no quarto de Vênus. É sábado à tarde. Estamos sentados contra sua cama. Um baralho de tarô está aberto, bem na minha frente, enquanto minha única amiga tenta ler o meu futuro. Na maior parte do tempo, ela permanece de olhos fechados, tentando se comunicar com uma entidade superior.

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