Ken
Mio e eu voltamos para a academia. Eu não estava me sentindo bem em casa. De qualquer maneira, faltavam apenas alguns dias para irmos para sua cidade, passarmos o natal, como havíamos combinado. Porém, as coisas não pareciam mais as mesmas agora. Ele ainda me dava suporte, mas alguma coisa estava diferente. Não demorou para que eu descobrisse o que já sabia. O problema não estava em Mio, estava em mim. Era como uma ficha que havia demorado a cair. Uma sujeira varrida para debaixo do tapete, mas que eu sempre soube estar ali, incomodando. Eu não era mais o mesmo. Não havia mais jeito de ser. Eu havia matado. Eu havia encoberto uma morte. Minhas mãos estavam sujas de sangue para sempre. E eu continuava ali, vivendo como se nada houvesse acontecido. Deixando as pessoas acreditarem em uma mentira. Eu nunca fui uma vítima.
Saio para dar uma volta, naquela tarde ensolarada. Apenas caminho pelo campus. Ando pela academia. Observo os alunos que ainda estão aqui, estudando por sua última chance. Pareço um vagante sem rumo, mas eu sabia que existia um propósito. Eu só estava respirando um pouco, antes de consumá-lo de uma vez por todas.
– Você demorou. – Mio fala, assim que me vê entrar pela porta. Está jogado sobre minha cama, assistindo um programa qualquer.
– Precisamos conversar. – Comento.
Mio dá de ombros, como sempre. Logo depois, desliga a TV e se senta sobre a cama.
– Ok.
Segundos mais tarde, estou sentado à sua frente.
– O que foi? – Ele pergunta.
Sinto vontade de chorar, mas dessa vez eu seguro.
– Mio, eu vou me entregar.
As palavras saem mais precisas do que eu esperava conseguir. Mio apenas arqueia as sobrancelhas, como se eu houvesse falado outro idioma.
– Como assim? – Ele sorri, sem graça.
Esfrego minhas mãos, encima do colo.
– Eu não posso mais viver com isso, Mio. – Olho dentro dos seus olhos, com a maior sinceridade que consigo. – Eu preciso fazer isso, porque senão vou acabar me matando.
Mio perde as palavras, para variar.
– Não... – Ele fala. – A gente vai encontrar um jeito...
– Não. A gente não vai. – Respondo. – Eu tenho que fazer isso. Eu preciso que você entenda. – Seco uma lágrima traiçoeira. – Por favor. Só me apoia, uma última vez...
Consigo ver Mio lutando para não contra argumentar. Eu sei que ele não quer aceitar. Eu sei que ele estaria disposto a levar aquela mentira para frente.
– Ken. – Ele engole em seco. – Você sabe que se fizer isso, todos nós sairemos implicados, não é? – Eu sabia que ele não se importava com aquilo de verdade, mas estava usando para me fazer desistir. – Nós fomos cúmplices. Mentimos para a polícia.
Assinto com a cabeça, mesmo não concordando.
– Eu vou assumir toda a culpa. Se for preciso, falo que convenci vocês a mentirem por mim. Mas eu não posso continuar com isso. Não dá mais... – Afirmo, ainda o encarando. – Você me entende, não é?
Mio não tem mais para onde correr, porque geralmente sou eu quem termina fugindo. Ele desvia os olhos para o outro lado. Fica olhando para o nada, por longos segundos, mas acaba encarando meu rosto, novamente. Seus olhos são extremamente sinceros.
– Eu entendo.
Me aproximo para abraçá-lo. Dessa vez, sou eu quem estou o consolando. Não o contrário. Mio era muito mais forte do que eu. Estava acostumado a manter seus sentimentos escondidos, por detrás daqueles olhos puxados. Mas eu sabia que ele estava triste. Sabia que se sentia impotente e culpado. Deposito toda minha gratidão, naquele gesto de carinho.
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Perfeitos [✓]
Romance[Romance Gay] Mio não sente vontade alguma de fazer faculdade quando se formar, mas suas duas mães de criação querem o melhor dos futuros para o filho. Duplamente pressionado, o adolescente ingressa na Academia ALFA, conhecida como o melhor colégio...