cap. 46 | ken

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Ken

Odiado não, desprezado. Frágil. Vítima da delicadeza. Um corpo em decomposição. Substituível. A voz que não grita. Personagem secundário. Sombra sem dono. Ele é patético. Dando risada em um funeral. Inocência interrompida. Aprendiz de todos os vícios. Sua bíblia está queimando. Ele tem alma de pipa chapada. Versos tristes em uma música ruim. Sangue sujo. Anjo que não voa. Conhecido como Oz. Judas. Drácula. Belzebu. Jamais chegará a terra do nunca. Bastardo. Espelho sem reflexo. Segundo lugar. Projeto de suicida. Alecrim não semeado. Santo não imaculado. Demônio da beleza. Príncipe sem princesa. Leão de Neméia. Eterno lamento. Boneco de porcelana. A ilusão mais perfeita. Mágico não, trágico.

Acordo sozinho no meu quarto. Na minha cama. Ainda são sete da manhã, mas não consigo dormir novamente. Apenas fico lá deitado, remoendo tudo que aconteceu ontem à noite. Da minha discussão com Mio, até Glamour e Vênus "assumindo" que haviam se beijado. Os pensamentos são tão inimagináveis, que resolvo me levantar, escovar os dentes e tomar um banho. Visto uma camiseta, shorts e calço um tênis. Malhar um pouco sempre me ajudava a esfriar a cabeça. Quando alcanço meu celular sobre a cama, recebo uma notificação vibrante, vinda diretamente do meu calendário. Hoje era aniversário de Lulu.

Desço as escadas e vou direto para a cozinha, preparar um shake. Confesso não estar esperando dar de cara com meu irmão, no mesmo ambiente, fazendo exatamente a mesma coisa. Ele me dá uma olhada rápida, mas logo depois, se volta novamente para o liquidificador, e despeja uma mistura de frutas batidas sobre seu copo. É bem óbvio que ele também estava indo para nossa academia, nos fundos da casa. Assim como era óbvio minha cara de paisagem, por ter perdido as palavras.

– Você também levantou cedo. – É só o que eu consigo dizer. Logo em seguida, vou até a geladeira, pegar um pouco de leite.

Lulu nem se dá ao trabalho de responder.

– Então... – Fico sem jeito. – Parabéns.

Lulu prova seu shake, mas não parece muito feliz com o resultado.

– Valeu. – Ele fala, sem olhar diretamente para mim.

O antigo Ken não se importaria com aquilo. Para falar a verdade, ele nem mesmo desejaria parabéns ao irmão caçula. Mas eu não era mais aquela pessoa. Depois de ter passado por tanta coisa nesses últimos dois anos, eu só conseguia sentir vergonha por ter sido um péssimo irmão.

– Eu posso te dar um abraço? – Pergunto.

Lulu despeja seu shake contra a pia, dando risada.

– Não.

Abaixo o olhar, frustrado.

– Você também tá indo malhar? – Mudo de assunto.

– Não mais. – Ele dá de ombros, e depois sai.

Sinto um gosto amargo na boca. Uma culpa instigante, dentro do peito. Mas sou obrigado a aceitar. Termino meu shake. Como algumas torradas. Passo algumas horas na academia treinando, depois almoço, volto para o quarto e tomo um banho. Mesmo não estando em completa harmonia com Mio, resolvo pegar meu celular e ligar para ele.

– Oi. – Falo.

– Oi. – Ele atende.

Talvez eu devesse pedir desculpas por ontem, mas não faço.

– O Lulu faz dezessete anos hoje. – Resolvo comentar.

– É. Eu sei. – Mio responde. – Ele me convidou para ir na sua casa mais tarde. Acho que vai dar algum tipo de festa, sei lá. – Aquele comentário me pega de surpresa. – A Glamour e a Vênus também vão.

Perfeitos [✓]Onde histórias criam vida. Descubra agora