cap. 11 | mio

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Mio

Passo as férias de julho em casa. De certa forma, é meio libertador. Você sabe, não estar na academia cercado de adolescentes obcecados pela vaidade. Ao contrário disso, estou apenas em casa, na companhia de minhas duas mães ardilosas. No início, foi como voltar a uma realidade distante. Acordar em seu quarto original, depois das dez de preferência, e tomar café da manhã fora de hora. Sair com meus antigos amigos a noite. Ir no shopping bater papo, cinema e até dar umas escapas para fumar maconha. Eu só não contava com a ideia de que começaria a me sentir estranho depois. Aquele não parecia mais ser eu.

Era o meu último almoço em casa. Amanhã eu já teria que pegar um avião para Metroville. O dia estava quente, então minhas mães, Flora e Liz, resolveram que comeríamos na mesa de piquenique do quintal.

– Me passa a pimenta. – Peço.

– Claro, querido. – Flora entrega a pimenta para Liz, que logo depois passa para mim.

– Obrigado. – Respondo, ao mesmo tempo em que jogo um pouco sobre o meu churrasco. – Ah propósito, acho que eu sou gay agora.

As duas param de comer, de repente. Ambas olham para mim, que continuo fatiando a carne sobre o prato, em pedaços bem pequenos.

– Como assim você é gay agora? – Liz questiona. Parece não saber se estou falando sério ou apenas fazendo uma brincadeira.

– Sei lá. – Dou de ombros.

Elas se entreolham, ainda confusas.

– Mio, isso é sério! Você não pode falar algo desse tipo e esperar que não tenhamos perguntas! – Liz fala.

– Vocês estão decepcionadas? – Pergunto.

Elas parecem não acreditar no que acabei de falar.

– É sério, Mio? Eu não sei se você já reparou, mas somos um casal de lésbicas! É muito triste descobrir que você tem essa ideia da gente. – Flora lamenta.

Me sinto mal. Não era o que eu queria que elas pensassem. Fico lá parado encarando o meu prato. Havia perdido a fome.

– Sinto muito. 

– Mio, entenda a sua mãe... – Liz aperta a mão de Flora sobre a mesa. – Não temos nada contra você ser gay, apenas fomos pegas de surpresa. Até o ano passado você tinha uma namorada, lembra? Estamos confusas.

Eu sabia que elas estavam certas, mas eu também estava confuso. Toda minha existência até agora parecia um borrão. Era como se eu houvesse me perdido de mim mesmo e não conseguisse encontrar o caminho de volta. Brinco com a carne sobre o prato, sem saber o que dizer. Minhas mães parecem estar tentando encontrar a melhor maneira de seguir com aquela conversa esquisita.

– E como descobriu isso? – Liz pergunta, acanhada. – Você tem tipo um namorado agora?

Penso em Ken antes de responder:

– Não.

Minhas mães se entreolham confusas novamente.

– Então apareceu um garoto na academia que você goste? – Flora faz a segunda tentativa.

Penso em Ken antes de responder, outra vez:

– Não.

Depois de alguns minutos elas parecem desistir de tentar tirar informações de mim. Volto para meu quarto e fico lá pelo resto do dia. Eu não estava com vergonha de falar sobre aquilo. Eu apenas não compreendia direito, então não me sentia à vontade em explicar para outra pessoa. Aproveito do tempo livre para arrumar minhas malas. Até dou um tapinha no cigarro dentro do meu banheiro para diminuir o estresse. À noite, vou dormir cedo, mas não é um sono muito tranquilo. Tenho pesadelos que envolvem os estudantes do colégio. Principalmente Glamour, Filipo e Brenda. Mas o pior deles é Ken. Está presente em praticamente todos, com aquele sorriso irritante.

Perfeitos [✓]Onde histórias criam vida. Descubra agora