Mio
Acordo atrasado. Nem dá tempo de tomar um banho quente antes de vestir o uniforme da academia e sair correndo do meu quarto. Vou direto para a sala de aula quando chego no colégio. Para minha sorte, era aula de redação, e o professor Carlos Vidal me deixa entrar. Filipo tira sarro, óbvio, com Glamour e Brenda, mas Ken permanece imóvel em sua carteira.
Ele estava me ignorando. Já havia quase um mês. Por algum motivo que eu jamais saberia, ele havia desistido de me espancar pela maconha supostamente colocada por mim em seu shorts. Eu digo suposta, porque eu não tinha planejado nada daquilo. Quando ofereci meu banheiro para ele tomar banho (o que foi uma péssima ideia, porque tive que jogar minha toalha fora depois) eu só queria quitar nossa dívida. Claro que no final de tudo ele surtou, como de costume. Até minhas roupas eu emprestei para o otário. O elástico do meu shorts havia ficado frouxo. Culpa daquele bundão que ele tem.
Não fazia diferença. Ele não gostava de mim. Eu não gostava dele. Na verdade, as coisas se tornaram até mais fáceis depois disso. Nos ignorávamos no colégio e nos treinos de futebol. A paz que eu tanto ansiava finalmente parecia real.
Me sento ao lado de Hugo nos fundos. Não tenho muita escolha, já que é a única cadeira que ainda não está ocupada. Os últimos trabalhos do semestre enfim haviam chegado. Não iria demorar muito para que as provas viessem também. O professor nos passa uma tarefa em dupla, então estou fazendo com Hugo. Dissertação não era necessariamente difícil, mas exigia atenção, coisa que faltava no meu parceiro.
– O que tá rolando entre você e o Ken? – Hugo pergunta.
Eu estava tentando me concentrar na página cinco do livro, mas pelo jeito seria impossível.
– Nada. – Respondo. – Por que?
Hugo se inclina para trás. Ele mordisca a ponta da caneta.
– Eu sei que vocês não são amigos, mas achei que já haviam superado o lance da briga. E tipo, a tensão entre vocês dois é praticamente impossível de não se notar.
Eu não queria falar sobre aquilo, mas confesso que entedia o que ele queria dizer. Ken era do tipo dramático. Mimado, insuportável e altamente cênico. Era verdade que ele me ignorava, mas ficava óbvio em todas suas expressões como ele me odiava.
– Ele é um pé no saco, você sabe. Ficou puto porque o pai dele brigou com ele e resolveu descontar em mim. Nenhuma surpresa. – Viro a página do livro.
Continuo minha leitura, mas as palavras já não parecem mais fazer sentido. Meus pensamentos são ocupados pelo boneco da Barbie. O fato daquele moleque idiota me incomodar mais do que deveria é estressante.
– Para ser sincero, isso não é novidade. O pai do Ken é absurdamente exigente. Todo mundo sabe da pressão que ele coloca no filho para ser aceito em uma faculdade grande. Tem um boato dele ter metido o louco com o Ken ano passado, aqui na academia mesmo. Parece que foi na frente de alguns alunos. Acho que é porque as notas dele não andavam muito boas.
Saber daquilo faz com que eu me lembre das minhas próprias mães. Elas eram mulheres amorosas, mas não deixavam de ser exigentes comigo. Eu cresci sabendo como elas lutaram na vida para conquistarem tudo o que tínhamos. Luta que se tornou ainda mais difícil, levando em consideração o fato de serem lésbicas assumidas para o mundo. Não era realmente difícil entender porque elas prezavam pela melhor educação possível para mim. Eu contestava algumas das decisões que elas tomavam (como a de estudar nessa academia), mas sempre acabava cedendo. Caso eu resolvesse pagar de rebelde sem causa, elas poderiam até surtar um pouquinho, mas tenho certeza que tudo acabaria se resolvendo. Pelo jeito que Hugo fala do pai de Ken, acho que as coisas iriam por outro viés.
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Perfeitos [✓]
Romance[Romance Gay] Mio não sente vontade alguma de fazer faculdade quando se formar, mas suas duas mães de criação querem o melhor dos futuros para o filho. Duplamente pressionado, o adolescente ingressa na Academia ALFA, conhecida como o melhor colégio...