cap. 10 | ken

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Ken

Sinto um cheiro adocicado ao acordar. É singelo, mas ao mesmo tempo, atípico. Uma mistura de tutti-frutti com aroma de livro novo. Esfrego meu nariz no que quer que esteja à minha frente. É macio e quentinho. Abro os olhos devagar, ainda com sono, e minha visão é preenchida pelo preto. Fios pretos. Preciso de alguns segundos para descobrir que estou agarrado ao corpo de Mio. É estranho para caralho.

Rolo para o outro lado com as mãos sobre a cabeça. Tudo ainda está meio que girando aqui encima. Começo a me recordar, aos poucos, o que rolou na noite de ontem. Não posso acreditar que fiz isso. Não quero acreditar que fiz isso. Olho para meus shorts e percebo que pelo menos não estou de pau duro. Acho que era um bom sinal.

– Mio, acorda. – Cutuco o ombro dele, mas o asiático metido nem se mexe.

Me sento sobre a cama. Confiro o meu celular e vejo que ainda são oito da manhã. Provavelmente meus pais já haviam chegado. Começo a sentir o cheiro doce de Mio novamente, mas agora percebo que ele vem de mim mesmo. Merda! Eu estava infectado.

– Acorda! – Dou um tapão na orelha dele.

Mio se levanta depressa, no susto. Ele se vira, diretamente para mim, com a expressão mais sem noção que eu já vi contra seu rosto. Me seguro para não dar risada.

– Tá ficando doido? – Ele briga.

Ainda estamos na mesma cama. Parece tão estranho agora.

– Que foi? Parece que viu um fantasma? – Debocho.

– É. – Ele comenta, ainda irritado. – Eu vi você.

Vou tomar banho logo em seguida. Um dos mais demorados da minha vida. Sabe quando dizem que o cheiro de um ficante se impregna em você? É verdade. Lavo cada parte do meu corpo com atenção, mas depois de me secar ainda posso o sentir, sutilmente. Visto uma roupa limpa e volto para o quarto. Mio parece que já estava preparado para usar o chuveiro assim que eu saísse. Ele fica por volta de uns dez minutos no banheiro e depois volta. Já sai pegando sua mochila ainda com os cabelos meio molhados.

– Já vai embora? – Pergunto, o mais desinteressado que consigo.

– Aham. Eu já chamei um Uber. – Ele responde.

Não sei dizer se ele parece meio sem graça. Sua personalidade seca era meio difícil de decifrar. Então fico na minha, mexendo no celular. Apenas depois que ele já parece ter tudo pronto, toca no assunto:

– Quer conversar sobre a noite de ontem?

Agora posso afirmar que ele está meio sem graça, mas isso não quer dizer que seu comentário soe estranho. Na verdade, parece que ele não liga muito para o assunto.

– A noite de ontem? – Dou de ombros. – Cara, eu tava meio brisado... Sinceramente, eu nem me lembro direito.

Eu era um mentiroso. Infelizmente me lembrava de tudo. Espero, com toda a minha alma, que Mio não me confronte ainda mais.

– É. Eu também. – Ele acaba falando.

Não tocamos mais no assunto depois disso, apenas saímos do meu quarto e descemos para o térreo. Eu não fazia a menor questão de apresentar meus pais para Mio, mas é impossível evitar quando cruzamos com eles na cozinha. Os dois já estão vestidos socialmente. Provavelmente chegaram a umas duas horas e já se arrumaram para sair outra vez. Estão beliscando algumas torradas contra o balcão.

– Bom dia. – Chamo a atenção dos dois.

– Bom dia filho. Fiquei tão feliz que veio para casa nesse final de semana. – Minha mãe sorri. Segundos depois foca seus dois olhos azuis em Mio. – Amigo novo? Acho que ainda não fomos apresentados.

Perfeitos [✓]Onde histórias criam vida. Descubra agora