cap. 12 | ken

7K 903 2.2K
                                    

Ken

Desligo o despertador as cinco e meia da manhã. Vou direto para o banheiro me aprontar. Era o início da segunda semana de aulas pós férias e eu estava determinado a não falhar um dia sequer de malhação. Tomo meu café da manhã no quarto mesmo, logo depois separo o Whey Protein e a Creatina. Aquilo me faz ganhar dez minutos de vantagem, ou seja, mais dez minutos de massa muscular entrando. Minha disposição para o treino estava a mil, mas ela vai para o buraco quando eu chego no ginásio. Imagine minha infelicidade ao encontrar Mio, o asiático metido, fazendo leg press as seis da manhã.

– O que tá fazendo aqui? – Me irrito. Só eu usava a academia naquele horário.

Mio faz uma cara feia. Não dá para saber se é pela dor que está sentindo ou por me ver chegar de repente. Ele pausa o movimento das pernas, ligeiramente cansado.

– Na academia? – Ele pergunta. – Vim alimentar os gorilas, obviamente. O que mais eu poderia fazer aqui?

O cinismo de Mio era irritante. Tão irritante que eu nem me dou ao trabalho de olhar na cara dele. Apenas me aqueço por alguns minutos e vou até o peck deck fortificar os braços.

– Eu não sabia que você malhava aqui nesse horário. – Mio fala. – Só vim porque achei que não ia ter ninguém.

– Achou errado. Venho nesse horário já faz mais de um ano. – Respondo. Sinto os músculos do meu braço queimarem com o peso.

– Valeu. A partir de amanhã você não vê mais minha cara. – Ele fala novamente.

Aquele definitivamente não é um dia produtivo de exercícios. Eu sabia exatamente o porque. Mio. Sua presença instigante. Eu estava tentando desviar dela durante toda a semana, mesmo ele fazendo parte do nosso grupo agora. Principalmente depois da nossa primeira e última conversa esse semestre. Mas agora era impossível não pensar nisso.

– Se você é gay, por que namorava com uma garota? – Pergunto. Não tenho ideia se ele vai responder, porque claramente também está irritado comigo.

Mio já saiu do leg press, agora está sentado na cadeira abdutora. Mesmo à distância, consigo ver suas coxas se torneando com o exercício. Por fim, ele acaba respondendo:

– Você sabe que muitos caras gays começam com uma namorada, não é?

– Então você estava usando ela para que as pessoas pensassem que era hétero?

Termino minha série de exercícios e vou direto para o supino inclinado. Já não consigo mais ter uma visão clara de Mio, mas aposto que ele está revirando os olhos nesse momento.

– Não. Eu não a usei. Eu gostava dela, só não sei se era da maneira correta. Eu sei lá. – Ele faz uma pausa. Parece não saber direito o que está falando. – Eu ainda não cheguei a conclusões sobre isso. Ainda não sei direito o que pensar. Mas tudo bem, eu ainda tenho tempo. Não estou com pressa.

Mio volta a fazer sua série de exercícios, como se nada houvesse acontecido. É estranho. Não dá para acreditar que ele consegue se manter tão calmo com um assunto daqueles. Provavelmente era assim por ter mães lésbicas. Talvez para ele era completamente normal ser gay.

– Talvez você seja bi. – Sugiro.

– Sim. – Ele responde. – Bicha.

Olho diretamente para a cara dele, com as sobrancelhas arqueadas, mas não consigo sustentar o olhar. Caio na risada. Ele faz o mesmo.

Algumas horas depois já estou no colégio assistindo a primeira aula. Dessa vez é Filipo que está sentado ao meu lado. O professor Carlos Vidal está apresentando um slide, comprovando em teses os maiores erros de um estudante quando prepara uma redação. Qualquer coisa que envolva gramática para mim é um saco, então não consigo prestar atenção. Ao contrário disso, abaixo o meu rosto e observo discretamente o que acontece no fundo da sala. Mio está sentando ao lado de Hugo, mas também parece divagar. Está com a cabeça apoiada em um dos braços, mordiscando a ponta de sua caneta. O que será que está se passando naquela cabeça de recém homossexual?

Perfeitos [✓]Onde histórias criam vida. Descubra agora