cap. 21 | mio

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Mio

É o começo de um novo ano letivo. O terceiro grau para ser mais exato. Não tenho mais dezesseis anos, fiz dezessete no começo do mês (sim, eu sou aquariano). Mas vamos direto para o que importa. Ou seja, o local onde acabo de entrar. Se chama academia ALFA. Para ser mais preciso, sala B14. Assim que dou o primeiro passo para dentro, posso ver os pescoços dos alunos entortando. Uma interrogação gigante estampada bem no meio de suas caras. Os perfeitos também estão aqui, se vocês querem saber. Os quatro maiores e "Hugo". Com toda a certeza, a parte mais divertida é ver a cara deles. Seus olhos estão arregalados, mas as emoções refletidas em cada um de seus rostos são diferentes. Eu reconheço medo, surpresa, raiva, ódio e até um pouco de esperança. Mas vamos com calma. Vocês devem estar se perguntando como chegamos até aqui, não é? Eu explico tudo.

Passo as férias inteiras de castigo. São praticamente dois meses dentro de casa. Após ter sido expulso da academia por usar e "traficar" maconha, minhas mães ficaram bem bravas comigo. Ainda mais depois de eu ter prometido que não iria mais aprontar. Na real, foi bem difícil no começo. Acho que a pior parte foi o olhar de desapontamento no rosto delas. Ver a confiança que elas tinham em mim ruir, pouco a pouco, sem eu poder fazer nada para mudar. Sim, eu havia sido pego em uma emboscada, mas não deixava de ser culpado.

– Mães. – Falo. – Eu quero voltar para a academia ALFA.

O mês era janeiro. Estávamos sentados os três na sala de TV, assistindo um filme. De acordo com os termos que elas impuseram, meu castigo seria válido até que eu começasse o segundo ano (outra vez) em uma nova escola.

– Isso é algum tipo de piada? – Liz, minha mãe número um, resmunga. – Porque não tem graça.

– Eu tô falando sério. – Respondo.

– Mio. – Flora, minha mãe número dois, começa o sermão. – Você reclama dessa academia desde que resolvemos te mandar para lá. Você odeia esse lugar. – Ela parece pensativa. Meio tristonha. – Talvez se tivéssemos te ouvido. Se tivéssemos evitado para começo de conversa...

– Não diz isso. – A corto. – Vocês não tem culpa de nada. Fui eu quem fiz merda.

Minhas mães estão sentadas no sofá. Aninhadas uma na outra. Eu sabia muito bem o tipo de mulher que elas eram. Sabia que mesmo dizendo aquilo, elas acabariam se culpando. Essa era a parte que eu mais odiava.

– É só que... – Mordo o lábio inferior. – Eu não queria ir embora de lá com aquela imagem, entende? – Abaixo o olhar. Preciso me concentrar para que a mentira soe convincente. – Por mais que seja difícil voltar, eu queria mostrar para aquelas pessoas que eu sou melhor do que aquilo.

As duas me olham com uma compaixão não vista há meses. Me sinto um pouco mal.

– Querido. – Flora comenta. – Sua maneira de pensar é honrável, mas mesmo que quiséssemos, você foi expulso. Reprovado no segundo ano. A academia ALFA é um colégio de elite. Não oferecem segunda chance.

Eu já imaginava que elas falariam aquilo, porque era "quase" verdade.

– E se vocês tentassem conversar com a diretoria? Tentassem explicar como eu me sinto sobre isso? Além do mais, eu já havia concluído todas as provas. Minhas notas já eram o bastante para passar no ano letivo. Talvez, se vocês ponderassem um pouco. Usassem do poder de convicção que eu sei que vocês tem...

Recebo olhares semicerrados. Respondo com uma cara de doguinho sem dono.

– Vamos pensar. – Liz comenta. Em livre tradução: "Vamos bancar as duronas no início, mas depois vamos fazer isso, meu filhinho maconheiro lindo."

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