cap. 22 | ken

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Ken

Estou de pé. Parado em frente a pia do banheiro. O meu reflexo está me encarando. Me perguntando o que estou fazendo ali, as nove da noite, com uma gilete em uma das mãos. Mas ele não tem nenhuma resposta. Eu não tenho nenhuma resposta. Ultimamente, tem sido difícil encarar o mundo real. Eu tinha consciência que era um ridículo. Fraco. Talvez até doente, por estar fazendo aquilo. E, sinceramente, eu nem ligava. Só queria me sentir entorpecido mais uma vez. Seguro. Então, estendo o meu braço e aperto os dedos.

Alguém bate na porta do quarto, antes que eu possa continuar.

Escondo a gilete depressa. Minhas mãos até tremem em pensar que alguém poderia descobrir aquilo. Visto uma camisa antes de sair do banheiro. Dou uma ajeitada nos cabelos. Já estava tarde, e era domingo. Não recebi mensagem de ninguém anunciando uma suposta visita, mas imaginava que era Filipo ou Glamour. Porém, quando abro a porta, parece até que eu vi um fantasma.

– Oi maninho. – Lulu força um sorriso.

Lúcio Blanca, mais conhecido como "Lulu", entra no meu quarto sem ser devidamente convidado. E não. Eu não errei o sobrenome dessa criatura infame. Infelizmente, eu tenho um irmão mais novo. Detalhe: Apenas um ano mais novo. Isso facilita para que algumas pessoas sempre digam que somos parecidos. Lulu é um pouco mais baixo do que eu. Nossos cabelos possuem a mesma tonalidade de louro, mas os dele são aparados dos lados. Olhos azuis. Nariz arrebitado. Boca rosada. Enfim, podemos até possuir características físicas em comum, mas somos totalmente diferentes. Esse garoto é insuportável.

– O que você tá fazendo aqui? – Não consigo acreditar.

Lulu caminha tranquilamente pelo meu quarto. Parece reparar, com mais atenção do que deveria, a decoração a sua volta.

– Nossos pais me transferiram para cá. – Ele dá de ombros. – Ou seja, vou fazer o segundo ano aqui. Começo amanhã.

Merda. Merda dupla. Merda elevada a quadragésima potência. Será que a minha vida já não estava ruim o bastante? Me concentro para não suspirar de frustração. Esse garoto estudou a vida inteira na academia SPARTA, e agora do nada, meus pais resolvem jogar mais um peso nas minhas costas.

– Poxa, que repentino! – Sorrio, ironicamente. – E por que a mudança?

– Sinceramente, a academia SPARTA já estava ficando chata. Além do mais, o pai disse que esse colégio recebia o dobro da atenção quando o quesito eram faculdades importantes. – Lulu devolve o sorriso irônico. – Por mim, eu nem viria te contar nada, mas a mãe me obrigou a te dar a notícia pessoalmente.

Algo me chama a atenção no que Lulu acabou de falar. A segunda frase, para ser mais específico. Eu não podia acreditar naquilo. Meu pai havia resolvido o trocar de colégio logo depois da nossa última briga, ou seja, estava me "presenteando" com uma escolta particular.

– Que merda. – Falo.

– Também acho. – Ele responde.

Depois disso, não sei mais o que falar. Apenas fico lá parado, esperando que ele dê um fora do meu quarto, mas a criatura parece uma estátua. Percebo, estampada no meio de sua cara, que havia mais alguma coisa que ele gostaria de dizer.

– O que foi? – Não tenho paciência.

– Fiquei sabendo que você é gay agora. – Ele comenta.

Merda a quinquagésima potência.

– Quem te falou isso? – Respiro. Não seria adequado surtar agora.

– Ninguém. Eu ouvi nossos pais conversando essa semana. Não deu pra entender direito qual era o assunto, mas essa parte saiu bem clara. – Lulu possui um sorriso que dá novo sentido a palavra "deboche". – Para falar a verdade, eu sempre soube.

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